30.9.08

Primavera gelada

Entre os cobertores,
dois olhinhos vigilantes
–cama do cãozinho.

23.9.08

Lei seca

Estava estirado no sofá, fazendo palavras cruzadas, quando a vizinha gritou assustada que havia um bandido amolando uma faca com as pedras do jardim. Era o capitão Joe Náufrago, que vinha da aula de tai chi chuan —ele é um sujeito saudável, ao seu modo— e passou para me dar um alô. Caloroso como sempre, deu-me um tapa nas costas com sua mão de gancho.
     — Que cara de maricas mareado é essa, irmãozinho?
     — Não consigo descobrir, capitão. "Pederasta, com oito letras..."
     — Sodomita!
     — Hum, deixa eu ver... isso! S-o-d-o-m-i...
     — Arr! Não, não! Sodomita é você, com os diabos!, criando raízes dentro de casa. Pelos ossos da minha mãezinha, seu maldito marujo de água doce!
     Incentivado assim, venci a preguiça e me troquei para dar uma volta com o velho capitão. Pedimos uma dose de rum com pólvora.
     — Mas, capitão, eu fico preocupado com a nova lei. Se o guarda me pega, eu estou...
     — Arrr, com mil leviatãs do inferno, rapaz! Você envergonha as calças que usa, maldição!
     — Mas como eu saio dessa, capitão?
     — Não há porquê não sermos razoáveis, garoto: ensine lógica ao bastardo. Quando um marujo chega bêbado no navio, basta que se jogue uma boa tina de água fria. Mas quando um maldito guarda chega em casa com um sabre enterrado fundo nas tripas e espalhando as entranhas pelo tapete da sala, a situação é um bocado mais complicada.

* * *
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