8.4.11

Castanhas noir

Outro dia que me apareceu essa ideia de escrever um roteiro. Pensei num negócio meio noir, uma história de detetive. Ou, de repente, uma trama de mafiosos ou, quem sabe, de contrabandistas de joias ou, também pode, de passageiros do Expresso do Oriente. Qualquer coisa misteriosa que tenha uma mulher de sotaque sexy.
     Também só tenho uma cena até agora. Um diálogo, na verdade.
     Dois sujeitos de sobretudo –turcos ou gregos, talvez italianos– perseguem um outro, sem sobretudo –um romeno disfarçado de russo, ou vice-versa. Encurralam o coitado num beco sem saída em Istambul. Ou em Bucareste.
     O maior dos dois de sobretudo –tem cara de quem nunca aprendeu a tabuada do quatro–, fica na penumbra enquanto o menor –cara de quem trocou a mãe por uma espingarda aos onze anos–, saca uma arma e acende um cigarro. Começa:
     — Você sabe, minha mãe fazia biscoitos quando eu era garoto. Biscoitos de castanha. Já comeu biscoitos de castanha?
     (É um monólogo, na verdade.) O tunisiano disfarçado de egípcio sem sobretudo vai caindo pela parede até sentar, resignado. O azerbaijano de sobretudo que vendeu a mãe continua:
     — Nós juntávamos castanhas durante todo o inverno até que tivéssemos o suficiente. Ela preparava a massa, alisava tudo com um rolo de madeira, cortava em quadrados e punha uma castanha em cima de cada um, para enfeitar. Assim, uma castanha inteira. Eu e meu irmão ficávamos feito cachorros em frente do forno. E então ela fazia dois pacotes e guardava todo o resto num grande pote na despensa. Eu pegava meu pacotinho, me sentava debaixo de uma boa árvore e mordia as beiradas até que sobrasse só a castanha. Teve uma vez que comi todos os biscoitos e deixei só as castanhas para comer depois. Só que quando voltei, não encontrei minhas castanhas. Eu era um garoto esquentado.
     Encostado na parede, o irmão que só sabe até a tabuada do três sorri, mostrando uma cicatriz que vai do lábio até a orelha direita –ou a esquerda, tanto faz.
     — Acho que no fundo do que eu gostava mesmo era das castanhas. As pequenas e quebradas ela triturava e misturava na massa. Mas as graúdas, as mais bonitas, ela reservava para colocar em cima dos biscoitos. Volta e meia, encontrava uma dessas no fundo do meu pacotinho. Assim, uma castanha solta, inteirinha. Então eu olhava para aquela joia e comia deliciado, dando mordidas bem pequenas. Mas depois vinha o preço, e eu achava um biscoito sem castanha em cima. Só a massa, pura. Porque era só uma castanha por biscoito, entende? De algum lugar ela tinha de ter caído.
     O grandalhão cipriota continua de braços cruzados na sombra. O hondurenho parece rezar baixinho.
     — Então eu aprendi que a vida é assim: você pode comer as castanhas do fundo do pacote, mas depois terá de comer os biscoitos de onde elas caíram. E aí, nada de castanhas.
     Só um tiro, seco.
     Algo mais ou menos assim, ainda não sei.