15.3.12

Aniversário


Sempre assim. Conforme vai chegando perto o aniversário, seu Glicério começa a sofrer já por antecipação; deve ser o tal inferno astral.
     É que Dona Eulália e a Marcinha sempre inventam alguma. Começa com "só um bolinho simples porque fica chato se as pessoas aparecerem e não tiver nada pra oferecer" e termina com "tive que encomendar mais quinhentos salgadinhos correndo na Jucélia senão iríamos passar vergonha". Sempre assim.
     E está lá nosso amigo Glicério na poltrona com o jornal do dia -um dia como qualquer outro-, fingindo que não ouviu tocar o telefone até que toca coisa pior: a campainha. Dona Eulália tenta acalmar, explica que só chamou os mais de casa, que fica chato não convidar pelo menos o tio Herculano, a prima Doroti, a Elisa com as crianças, as colegas de hidroginástica e as senhoras do bazar da igreja.
     O problema também é que, junto com os convidados, chegam os embrulhos. Seu Glicério é da opinião de que chega uma altura na vida de um homem em que os presentes viram um atentado à dignidade. Abre um embrulho:
     — Que é isso?
     — Um sapatênis, querido.
     — Sujeito que não quer usar sapato mas não tem colhões pra ir trabalhar de tênis e aí inventa essas porcarias. Não uso.
     Abre outro:
     — Que é isso?
     — Ai, papai, que camisa linda. Bem da moda como andam usando!
     — Ah, pensei que era uma daquelas toalhas de piquenique. Não uso.
     Seu Glicério é homem aberto, gosta das cartas bem postas na mesa. Por que não um bom par de sandálias, uma boa camisa branca?
     Até que chega a hora do parabéns. Ele até tenta explicar que, francamente, faz mais de trinta anos que não está mais em idade de parabéns. Dona Eulália já vai acendendo a velinha, apagando as luzes, passando a câmera para algum sobrinho, abraçando o marido.
     Pronto, passou, agora é só voltar para a poltrona e comer um pedaço de bolo. Mas aí o Meira, sempre o Meira, puxa:
     — Com quem será, com quem será... ?
     Dona Eulália fica toda envaidecida, solta uns tapinhas no ar e uns risinhos envergonhados. O Meira bate palmas e canta com sua voz de tenor de banheiro. A Marcinha corre para acudir o pai e pegar o remédio da pressão, aquele de colocar debaixo da língua. Francamente.
     No fim da noite, dona Eulália nota seu Glicério quieto e vai dormir satisfeita, pensando que o deixou emocionado com a festinha. Na verdade, ele está é aflito pensando que falta só um ano para a próxima.

* * *
Era outro que andava sumido, seu Glicério. Clique aqui para ler as outras aventuras desse nosso amigo.