30.7.08

Era uma vez...

          (essa foi baseada num conto tradicional zen,
          modificações por minha conta)


...um fazendeiro. Um fazendeiro que, como todos os fazendeiros de história de "era uma vez", não era assim lá um latifundiário. Tinha sua terrinha, vivia do seu trabalhinho honesto —pessoal de história de "era uma vez" é sempre honesto—, ensinava suas coisinhas para os filhos.
     Pois bem, um dia, como sempre acontece nas histórias de "era uma vez", o destino quis que sucedesse uma reviravolta na vida do nosso bom amigo: sumiu-lhe o cavalo. O cavalo que puxava arado, carroça e a fazenda inteira nas costas.
     Os vizinhos, loucos por uma desgraça como todo bom brasileiro, correram para prestar solidariedade. Ajudar que é bom, ninguém ajudou, mas ficaram ali, com aquelas lamentações de sempre:
     — Rapaz, que uma vez um primo meu perdeu oitenta e sete cabeças de gado lá pras bandas de Lavras.
     — E que a gente trabalha a vida inteira para conseguir juntar umas coisinhas e aí me vem um filho da...
     — Ó céus, que falta de sorte!
     As outras são só gracinhas, essa última lamentação é a que interessa na nossa história de "era uma vez". Foi para ela que bom fazendeiro respondeu:
     — Talvez.
     No dia seguinte, o cavalo, que de burro não tinha nada, deu as caras de novo. E trouxe junto um pessoal que conheceu na sua aventura: três outros cavalos selvagens, coisa mais linda —está certo que não devem mais existir cavalos selvagens nem nas planícies da Mongólia, mas história de "era uma vez" sempre ignora uma ou outra lógica. Os vizinhos correram, dessa vez para fazer festa.
     — Olha que no fim das contas tudo termina bem quando acaba bem, compadre.
     — Mas dá até pra levar pra feira, esses três!
     — Masbá, que beleza de bagual! Que buena sorte, tchê!
     (Esse último era gaúcho.) Nosso fazendeiro largou, com a calma de sempre, a resposta de sempre:
     — Talvez.
     No dia seguinte, o filho do fazendeiro resolveu dar umas bandas num dos novos cavalões. Aparecer na cidade, impressionar umas meninas, essas coisas. Deu que o cavalo, que nunca tinha usado arreio estribo sela barrigueira nem nada desse tipo, refugou empinou relinchou. Tanto fez que derrubou e estropiou todo o rapaz. A vizinhada correu para urubuzar a nova tragédia.
     — Ai, que meu neto se acidentou com a moto e tomou quarenta e nove pontos na cabeça.
     — E que depender do SUS nesse país...
     — Jesusmariajosé, que desgraça!
     O fazendeiro, servindo refresco para essa turma toda porque era um bom anfitrião, respondeu:
     — Talvez.
     No dia seguinte, a Fátima Bernardes apareceu no plantão dizendo que o Bush resolveu invadir o pedaço. O povo entrou em desespero, o exército se mobilizou, juntou as tropas e correu para recrutar soldados. Um sargento passou e foi levando todos os jovens da região para recepcionar os ianques. O filho do fazendeiro, todo escalavrado que estava, não foi convocado.
     Os vizinhos:
     — E que esse governo só lembra de pobre quando precisa de gente para morrer...
     — Rapaz do céu, que hora boa que você foi cair do cavalo.
     — Que sorte!
     E o fazendeiro:
     — Talvez.
     E por aí vai, acho que deu para passar o espírito da coisa. E alguém ainda tem dúvida de que assim, tocando a vida na maciota, o fazendeiro viveu feliz para sempre?

23.7.08

O mundo se divide

— O mundo se divide entre os que sabem assobiar a nona sinfonia do Beethoven e o resto.
     Desde que os amigos podiam lembrar o Betão era assim, com suas frases definitivas. Definitivas até que ele soltasse outra, que aí então seria a frase definitiva. Em média ele classificava o mundo umas três ou quatro vezes por dia.
     — Existem dois tipos, e só dois tipos, de homens no mundo: os que se barbeiam com lâmina, espuma e pincel e os outros.
     No fundo, no fundo isso era uma forma mais sofisticada de dizer alguma coisa quando o silêncio caía na mesa do bar. Enquanto os outros amigos —como as outras pessoas normais todas— diziam um "pois é", falavam algo sobre o clima ou soltavam um suspiro, um bocejo, ele vinha com:
     — No mundo você topa com dois tipos de sujeitos: os que conhecem Maximilian Stolaievitch e os que não conhecem Maximilian Stolaievitch.
     (Seja lá quem for esse Stolaievitch.) Ou então:
     — Existem duas formas de encarar a vida: mexer o cafezinho no sentido horário ou no anti-horário.
     — O mundo se divide entre os que comem as cascas da uva e os que cospem.
     — ... entre os que abotoam a camisa de cima para baixo e os que fazem de baixo para cima.
     — ... os que já assistiram "Três homens em conflito" e os outros.
     E funcionava: uma colocação do Betão rendia muito papo no bar. Como no dia em que o pessoal passou horas tentando descobrir se escovava os dentes da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita. Ou quando todos rascunharam árvores genealógicas em guardanapos tentando lembrar quem na família, até quatro gerações anteriores, usava suéter de lã listrado.
     — A Humanidade é feita de dois tipos de pessoas: os que usam palito de dente e os demais.
     Um dia alguém, ninguém lembra direito quem e nem por quê, lembrou de que brincava de bilboquê quando era pequeno. Bilboquê. O Betão já começou a armar a famosa fórmula:
     — Pois é, o mundo se divide entre quem brinca de...
     E parou assim, na metade. Todo mundo olhou, perplexo, para o Betão que, pela primeira vez na vida parecia não ter certeza de que o mundo se dividia entre um grupo e outro. Ficou ali, meio boquiaberto, tentando encontrar a certeza para enunciar sua nova classificação da vida humana na Terra. Mas não falou. Soltou só um "pois é" e tomou um gole de chope.
     O pessoal, que implicava, mas no fundo já tinha se acostumado com as formulações do Betão, ficou com pena, tentou ajudar, disse que, sei lá, talvez uma tribo da Oceania ainda brincasse de bilboquê, tivesse um campeonato de bilboquê onde o vencedor seria aclamado novo chefe do pedaço e levaria de lambuja umas vinte virgens. Mas não teve jeito, o Betão estava inconsolável: sofreu a decepção de ver que toda sua carreira de taxonomista binário —sim, os amigos tinham nome para a ocupação dele— tinha ido para o brejo.
     — Pois é, de bilboquê ninguém brinca mais.
     E daí em diante o papo de bar nunca mais teve a mesma graça.

18.7.08

Dia-a-dia #6

Bonança nada: depois da tempestade vem sempre o trabalhão para limpar a sujeira que a enxurrada carregou para dentro de casa. Enfrentei uma crise de criatividade e apatia que dá sinais de ter passado, mas agora estou com o problema do pós-enchente: no meu pendrive, pasta "textos incompletos", existem 23 arquivos. Aos poucos vamos dando fim em tudo.

14.7.08

Haicai de inverno

Passos decididos
enfrentam o vento frio
—caminho de volta.

7.7.08

De volta à programação normal

Sabem aquela música dos Paralamas —Expresso do Oriente, se não me engano— que diz "eu estive fora uns dias, eu te odiei uns dias, eu quis te matar"? Então, tirando a parte do odiar e querer matar, a letra cai como uma luva no meu caso.
     Sei lá, faltou criatividade, o bicho pegou no trabalho, fiquei cansado de internet, a vida andou complicada, o Corinthians caiu para a segundona, ainda não saiu minha restituição do imposto de renda, essas coisas.
     É como eu disse lá atrás, no meu primeiro post aqui: blog é que nem gordo correndo no parque: dá um pique, anda um pouco, corre mais um tanto, pára e enxuga o suor, dá outra carreira, pára e pensa que vai ter um enfarte... e assim vai levando a vida de atleta de fim de semana. Assim eu vou tocando minha vida de blogueiro fajuto.
     Peço desculpas pelo sumiço dos blogs amigos. Prometo que esta semana visito todo mundo para tomar um café —café, porque agora até sorvete de passas ao rum dá multa e cadeia— e colocar o papo em dia —e levo uma tortinha para ajudar no lanche, que o preço da comida não está fácil.
     E obrigado pelos comentários, e-mails, scraps, mensagens de celular e sinais de fumaça durante esse tempo. Mesmo abandonado, o Acepipes continuou bem frequentado. Isso reforçou minha idéia de que o que faz dele um blog bacana não é o sujeito que escreve, mas o pessoal que passa por aqui.
     É, eu estou meio emotivo.