29.7.11

E as últimas são que...

- Fui convidado para fazer parte de uma mesa redonda com autores contemporâneos na Universidade de Brasília - UnB, em outubro. Já passei pela fase da surpresa, pela da alegria, pela da honra e estou entrando agora na do desespero (eu? falando sobre escrever? num evento desse?).
     - Segundo o blog do Gustavo Soares, é mais difícil namorar uma garota que lê o Acepipes.
     - Já o Bruno, do Sanduba de Queijo, escreveu uma resenha bacana e indicou um texto que eu escrevi sobre minha viagem ao lago Titicaca, na Bolívia.
     - O post do cara que lê foi o que mais rendeu visitas, tweets e retweets, polegares no Facebook e no GoogleReader e tudo mais (agora, para que eu não passe por mentiroso, só espero que esse cara exista em algum lugar por aí....).
     - Chegou o dia que eu temia: alguém –meu próprio pai– me perguntou pessoalmente como se pronuncia "Zwkrshjistão" e descobriu que eu nunca tinha pensado nisso. Eu sou um fiasco.
     - Uma historinha aqui do Acepipes está virando animação. Mas isso eu só posso contar mais para a frente...
     - Obrigado, obrigado e obrigado. Sempre.

27.7.11

A parábola dos porcos

Assim que ele, segurando a respiração, não pôde ouvir mais nada além da coruja no pomar, o menino segurou firme a lanterna e saltou, já de tênis e tudo, de baixo das cobertas. Esqueceu da tábua solta do assoalho e, quando a madeira rangeu alto, ficou ali paralisado, pensando que tinha botado tudo a perder. Mas não: o avô já roncou logo em seguida. Ufa, à missão.
     A missão era nobre, valia o perigo de uma aventura na madrugada –para quem dorme à oito, qualquer dez horas já é madrugada. O menino respirou fundo, girou a maçaneta e saiu correndo de uma vez só, sem olhar para cima –não precisava; nessa noite não havia morcegos nas tábuas do telhado da varanda.
     Eram agora as férias de inverno. Uns dias antes, o pai e a mãe o haviam deixado –junto com a mochila, a lanterna, o telescópio e uma pilha de revistas– no sítio do avô. A irmã teve que ficar na cidade, de recuperação em português.
     A coruja girou a cabeça, curiosa, quando viu a sombra passar pelo galpão, contornar a jaqueira –não é bom passar por baixo dos galhos; vai que uma bomba dessas cai na cabeça?–, e seguir na ponta dos pés em direção do chiqueiro. A lanterna ficou desligada mesmo: era noite de lua cheia. E que lua!
     A porca esparramava-se de lado, os porquinhos aconchegavam-se uns em cima dos outros. O avô dizia que porco é bicho esperto, sabe quando a gente chega com comida na mão e quando chega com a faca escondida debaixo da camisa. Mas o menino chegava com coisa melhor e, por isso, nenhum reclamou quando ele, chegando de mansinho, agachou rente ao cercado.
     Foi ganhando confiança, acariciou primeiro a mãe e depois os filhotes. Esticou os braços no meio das ripas e pegou um dos sete. Subiu o porquinho até em cima da cerquinha e notou, com alívio, que ele não se agitava. E então carregou-o no colo até o meio do terreiro.
     Na roça, onde não há postes que apaguem as estrelas, o céu cintilava cheio de luzinhas:
     — Olha só como é bonito. Tá vendo aquelas bem ali? É o Cruzeiro do Sul, eu aprendi na escola que é só saber achar ele no céu que a gente nunca vai se perder.
     Ficaram os dois ali, um momento meio solene, meio engraçado: um menino com os braços esticados, um porquinho suspenso lá em cima.
     — Aquela grande ali é a lua. Meu vô assistiu uma vez na televisão uns homens que viajaram até lá.
     O garoto repetiu com cada um dos filhotes –a mãe era pesada demais, mas quem sabe quando ele crescesse e ficasse mais forte?– o mesmo ritual. Mostrou a todos o Cruzeiro do Sul –pouco provável que um deles se aventure muito mais longe do que a cerca atrás do chiqueiro, mas enfim–, a lua cheia, as galáxias e até um avião que passava.
     É que, mais cedo, segurando um pedaço de broa de milho numa mão e uma revista dessas de curiosidades na outra, o menino descobrira que os porcos não conseguem olhar para cima. Foi um momento de revelação. Os porcos não podem ver o céu, e lhe pareceu injusto que alguém viva –e justo no campo, onde não há postes que apaguem as estrelas– sem nunca ver o céu. Daí a missão nobre, daí ele estar no meio do terreiro, com os braços cansados de segurar filhotes acima da cabeça.
     Talvez, na ingenuidade, ele nem tenha notado a indiferença dos porquinhos. Arrisco dizer que os bichinhos não deram grande importância, talvez nem se lembrem.
     Mas para o menino fez toda a diferença.

13.7.11

Namore um cara que lê

          baseado no "Namore uma garota que lê",
          texto escrito pela Rosemary Urquico e
          traduzido e adaptado para o português
          pela Gabriela Ventura
          (espero que não se zanguem muito comigo)


Namore um cara que se orgulha da biblioteca que tem, ao invés do carro, das roupas ou do penteado. Ele também tem essas coisas, mas sabe que não é isso que vai torná-lo interessante aos seus olhos. Namore um cara que tenha uma pilha de três ou quatro livros na cabeceira e que lembre do nome da professora que o ensinou as primeiras letras.
     Encontre um cara que lê. Não é difícil descobrir: ele é aquele que tem a fala mansa e os olhos inquietos. Ele é aquele que pede, toda vez que vocês saem para passear, para entrar rapidinho na livraria, só para olhar um pouco. Sabe aquele que às vezes fica calado porque sabe que as palavras são importantes demais para serem desperdiçadas? Esse é o que lê.
     Ele é o cara que não tem medo de se sentar sozinho num café, num bar, num restaurante. Mas, se você olhar bem, ele não está sozinho: tem sempre um livro por perto, nem que seja só no pensamento. O rosto pode ser sério, mas ele não morde, não. Sente-se na mesa ao lado, estique o olho para enxergar a capa, sorria de leve. É bem fácil saber sobre o quê conversar.
     Diga algo sobre o Nobel do Vargas Llosa. Fale sobre sobre as novas traduções que andam saindo por aí. Cuidado: certos best-sellers são assunto proibido. Peça uma dica. Pergunte o que ele está lendo –e tenha paciência para escutar, a resposta nunca é assim tão fácil.
     Namore um cara que lê, ele vai entender um pouco melhor seu universo, porque já leu Simone, Clarice e –talvez não admita– sabe de memória uns trechos de Jane Austen. Seja você mesma, você mesmíssima, porque ele sabe que são as complicações, os poréns que fazem uma grande heroína. Um cara que lê enxerga em você todas as personagens de todos os romances.
     Um cara que lê não tem pressa, sabe que as pessoas aprendem com os anos, que qualquer um dos grandes tem parágrafos ruins, que o Saramago começou já velho, que o Calvino melhorou a cada romance, que o Borges pode soar sem sentido e que os russos precisam de paciência.
     Um namorado que lê gosta de muita coisa, mas, na dúvida, é fácil presenteá-lo: livro no aniversário, livro no Natal, livro na Páscoa. E livro no Dia das Crianças, por que não? Um cara que lê nunca abandonará uma pontinha de vontade de ser Mogli, o menino lobo.
     E você também ganhará um ou outro livro de presente. No seu aniversário ou no Dia dos Namorados ou numa terça-feira qualquer. E já fique sabendo que o mais importante não é bem o livro, mas o que ele quis dizer quando escolheu justo esse. Um cara que lê não dá um livro por acaso. E escreve dedicatórias, sempre.
     Entenda que ele precisa de um tempo sozinho, mas não é porque quer fugir de você. Invariavelmente, ele vai voltar –com o coração aquecido– para o seu lado.
     Demonstre seu amor em palavras, palavras escritas, falas pausadas, discursos inflamados. Ou em silêncios cheios de significados; nem todo silêncio é vazio.
     Ele vai se dedicar a transformar sua vida numa história. Deixará post-its com trechos de Tagore no espelho, mandará parágrafos de Saint-Exupéry por SMS. Você poderá, se chegar de mansinho, ouví-lo lendo Neruda baixinho no quarto ao lado. Quem sabe ele recite alguma coisa, meio envergonhado, nos dias especiais. Um cara que lê vai contar aos seus filhos a História Sem Fim e esconder a mão na manga do pijama para imitar o Capitão Gancho.
     Namore um cara que lê porque você merece. Merece um cara que coloque na sua vida aquela beleza singela dos grandes poemas. Se quiser uma companhia superficial, uma coisinha só para quebrar o galho por enquanto, então talvez ele não seja o melhor. Mas se quiser aquela parte do "e eles viveram felizes para sempre", namore um cara que lê.
     Ou, melhor ainda, namore um cara que escreve.

8.7.11

Caminho para casa

Ontem, enquanto voltava do trabalho, passei por uma casa que meu nariz acusou de estar assando bolo, uma outra que cheirava a sopa –presumo que de músculo– e uma terceira a manjericão. Uma senhora sorriu quando cruzou comigo, puxada por um cocker spaniel que carregava, orgulhoso, um pão fresquinho na boca. Também sorriu a que plantava flores no final da rua sem saída. No que abri a porta do meu apartamento, dei com o sol se pondo entre as cortinas da sala e pensei que, olha, a vida é uma coisa boa.

* * *
As pessoas me acusam de ser meio bobo, de achar que tudo é sempre bonito e coisa e tal. Outro dia chovia, minhas botas estava molhadas, eu tinha uma dor de cabeça danada, um sujeito quis me assaltar –no que se deu muito mal– e dei com um vazamento de esgoto no prédio. Mas aí é que está: sobre qual caminhada vale a pena escrever?