24.5.11

Mensagem pra quem?

Chovia.
     Chovia, e enquanto chovia lá fora, ali dentro, numa mesa no canto da cafeteria, a mocinha de lenço azul se aquecia com um capuccino caprichado no creme. Em volta, casais, amigos, pessoal que acabou de sair da aula de francês. Só ela sozinha.
     Com cuidado, colocou a xícara de volta no pires e puxou para mais perto o celular que já estava ali. Começou a digitar com um sorrisinho no rosto.
     É uma mocinha de lenço azul daquelas que abrem um sorrisinho secreto enquanto seguram a xícara quente com as duas mãos, que suspiram satisfeitas quando dão uma colherada no doce. Que se aconchegam na poltrona confortável do cinema. Que fecham os olhos para respirar o perfume da dama da noite quando, voltando para casa à noite, passam em frente ao jardim da vizinha. "Adorável", acho que é assim que se chama.
     Sem muita pressa e ainda com o sorrisinho no rosto, terminou a mensagem: "oi, tô aqui no café tomando um capuccino delicinha" –ou seja lá que linguajar mocinhas adoráveis de lenço azul costumam usar–, apertou o botão vermelho do aparelho e mandou para ninguém.
     Para ninguém. Apagou.
     E não foi a primeira vez que fez isso. Nunca chegou a fingir falar com alguém do outro lado; só, volta e meia, dá de escrever essas mensagens. Tem vergonha de estar sozinha, quer que os outros pensem que logo mais ela vai encontrar amigas ou namorado, que aquela mesa solitária é só provisória até a próxima mesa cheia.
     Porque ela sai um bocado sozinha, não é dessas mocinhas de lenço azul que ficam em casa assistindo comédia romântica e esperando príncipe bater na porta, também não é das que esperam os eternos "um dia a gente combina qualquer coisa" das amigas. Vai ao cinema, toma café, vê exposições, até janta de vez em quando. E, no fundo, não vê problema nenhum nisso –se bem que, no fundo de verdade, queria mesmo que o barista esticasse um guardanapo com um número e um "pode mandar as mensagens para mim".
     Enfim, sai sozinha mas tem vergonha de que as pessoas pensem que ela é sozinha, uma coisa difícil de explicar, e daí as mensagens.
     "Tô aqui matando tempo na livraria enquanto a chuva não diminui". "Saí do restaurante e vou aproveitar pra ver uns sapatos no shopping". Digita a mensagem, manda para ninguém e espera um pouco. Então pega o celular, finge que lê uma resposta, dá um sorriso e digita. Para ninguém.
     Então guardou o celular com outro sorriso, terminou o capuccino e saiu. Na mesa ao lado, repleta de gente, uma mocinha sem lenço tentou –e não conseguiu– disfarçar a curiosidade.
     Não chovia mais e a mocinha de lenço azul saiu para um próximo passeio, talvez.
     Quem a vir por aí, já sabe.

20.5.11

Ontem

Ontem você esteve doente. Coisa pouca, mas o suficiente para me deixar ansioso e preocupado, o coração suspenso por um fio, sentado impotente na minha poltrona enquanto te observava, finalmente, dormir tranquila.
     Ontem fizemos três meses de casados e eu não consigo mais lembrar da minha vida sem você. É como se você estivesse desde sempre ali, o sorriso pronto para assim que eu abrir os olhos de manhã.
     Ontem, um dia frio, te servi no sofá, debaixo do cobertor, uma tigelinha de feijão branco com pouco tempero que pode parecer só uma coisinha de nada, mas que, naquela hora, era tudo que eu podia fazer: te confortar e te dizer que nunca te deixarei faltar cuidado.