18.12.07

Uma mesa e uma cadeira

Sentei-me no café e, quando me atendeu, a garçonete perguntou se eu esperava por alguém. Pedi um espresso duplo.
     A mim já bastava ser um fim de tarde melancólico, uma daquelas sextas-feiras que escolho para ruminar o passado. Tive de conviver também com a resposta à pergunta da moça, que ficou pairando no ar numa nuvem pesada: não, eu não esperava ninguém.
     Talvez fosse só porque bebi o café puro —tomo sempre sem açúcar, mas em dias como esse me arrependo disso—, mas, quando dei o primeiro gole, tive a impressão de que tinha nas mãos uma xícara especialmente amarga.
     E quando entraram três amigas, sentando-se na mesa à minha frente, não pensei que a atitude que eu tomaria fosse tornar o final do café ainda mais intragável. Como vi que havia duas cadeiras para as três, levantei-me e ofereci a que sobrava na minha mesa. Elas hesitaram com três "imaginas" mas acabaram aceitando com três "obrigadas".
     Logo notei que, no fundo, com aquela gentileza, eu nada mais fiz mais que admitir a verdade. A verdade para a qual me havia aberto os olhos a pergunta da garçonete, cinco minutos antes, e que, naquele instante me atingiu como um cruzado de direita no maxilar: ninguém sentaria à mesa comigo.
     Nunca um gesto meu tornou tão evidente a minha solidão.
     Terminei meu café, paguei a conta e saí para a rua, onde, andando com as mãos nos bolsos, pensei em como a vida às vezes pode ser tão simples. A minha, naquela sexta-feira, podia ser resumida numa mesa de café com uma cadeira só.

14.12.07

Um ano!

No dia 14 de dezembro de 2006, com um post despretensioso, abri a casa —é um loft, na verdade— para os amigos e comecei a servir uns Acepipes escritos. Admito que pensei que não duraria muito —eu costumo cansar rápido dos brinquedos—, mas aqui estamos nós, um ano depois, quem diria!
     Foram 115 posts —116 com este—, 1182 comentários, 22.731 visitas. Nada mau para um blogueiro tão pouco engajado como eu.
     Já foi servido aqui acepipe de tudo quanto é tipo. Falei de mim, apresentei alguns amigos velhos —seu Glicério, capitão Joe...—, contei de minhas viagens —férias na Bolívia e uma temporada no Zwkrshjistão—, inventei piadinhas sem graça, escrevi historinhas bonitinhas —sempre as mais comentadas pelas meninas—, fiz suspense, ensaiei até uns poemas.
     Mas, de tudo, o mais legal foi conhecer amigos. Descobrir que tem gente do outro lado da tela. E gente da melhor qualidade, não só do Brasil, mas das terrinhas d'além mar também. Continuo insistindo na mesma frase que já virou chavão de editorial aqui: são vocês que fazem a coisa valer a pena.
     Fica o convite, por fim, para minha performance ao vivo de Parabéns a você na gaitinha de boca. O Rex adora, ele sempre uiva junto quando eu toco.
     Muito obrigado! Mesmo.

12.12.07

O tigre interior

Sob a lua cheia de uma noite sem estrelas, na escarpa mais alta da cordilheira sagrada, o jovem discípulo ajoelha-se diante do ancião. Procura paz para sua alma atormentada.
     — Mestre, como vencer o tigre que assombra meus pesadelos todas as noites?
     Lentamente, o venerável abre os olhos —eles abarcam toda a sabedoria do mundo— e responde, com a serenidade que só uma vida de ascese e meditação pode conceder:
     — Matar o tigre e fazer um casaco com sua pele é fácil. Difícil é achar uma roupa que combine.

10.12.07

A ilha

Este meme eu recebi do Rob Gordon, do Championship vinyl. Topei a brincadeira primeiro porque o cara é um blogueiro gente finíssima, velho amigo do Acepipes, e também porque isso é o mais próximo que eu vou chegar de uma entrevista na ilha de Caras. Vamos lá:

* * *
Você vai passar exatamente um ano em uma ilha deserta, onde existe uma certa infra-estrutura, mas ela é limitada. Além de você não haverá mais ninguém na ilha, mas você terá acesso a alguns privilégios limitados. Com isso em mente, seguem as perguntas:

1. Na ilha você terá água à vontade e frutas nativas. Se souber pescar, com sorte vai poder comer um peixe de vez em quando. Fora isso, você terá que escolher apenas um tipo de comida salgada e um tipo de comida doce para comer todos os dias, o ano inteiro (podem ser cruas ou cozidas). Quais você escolhe?
     Arroz. Resposta sem graça, eu sei, mas eu gosto de arroz e acho que enjoaria de comer alguma outra coisa mais elaborada todo santo dia. Sem contar que daria para inventar receitas de risoto de coco e que arroz branco combinaria com o peixe, porque, yes, eu sei pescar! Doce, eu vou de torta de limão.

2. Além da água (e, também com sorte, água de coco se você estiver disposto(a) a subir no coqueiro) não há nenhuma outra bebida na ilha, mas você pode também escolher um único tipo de bebida, fria ou quente, alcoólica ou não, para ter à sua disposição ao longo do ano. Qual você escolhe?
     Café espresso —descobri que "espresso" se escreve com “s”. Duplo. Sem açúcar. (e... posso levar a moça simpática do Café Metropolis? Sem nenhuma segunda intenção, juro, só para operar a máquina mesmo, com carteira assinada e tudo.)

3. Para manter a tradição, você pode também levar um único livro. Que livro você leva?
     Complicou. Não posso responder a essa pergunta assim, levianamente. Acho que eu levaria o meu ano de ilha só para decidir qual levar, mas talvez O livro da selva, do Mogli, pode ser inspirador nessa situação.

4. Igualmente, você poderá levar um único filme para assistir. Que filme você leva?
     O Rick que me desculpe, mas Casablanca é muito curto para essa situação. Levaria O senhor dos anéis. A trilogia completa porque, na minha concepção, conta como um filme só. E a versão estendida —descobri que "estendida" também é com “s”—, porque eu terei tempo para isso.

5. Você terá um notebook à sua disposição, mas com um único programa instalado. Mas você não pode usar um programa de comunicação (como email ou mensagens instantâneas). Qual programa teria mais utilidade para você e por que?
     Eu tenho uma teoria pessoal de que o bloco de notas é o ápice dos vinte séculos de civilização ocidental cristã. Ele me ajuda com o orçamento do mês, lembra do que tenho que entregar no trabalho, montou o layout do Acepipes —numa parceria com o Paintbrush, outro dos lampejos de genialidade do ser humano— e coisa e tal. Este post está sendo escrito com ele, inclusive.

6. Você poderá acessar a internet, mas este acesso é limitado a um único site, o ano todo. (Se você escolher o Google, por exemplo, não poderá navegar para os links dos resultados da sua busca, que estão fora do Google). Também não pode ser seu webmail, Meebo e afins ou sites de notícias (o que elimina os portais). Fora isso, não há restrição nenhuma ao tipo de site, inclusive os que permitem comunicação de outros tipos. A qual site você quer ter acesso por um ano e por que?
     O Submarino. Imagino que o frete para a ilha sairia uma fortuna, mas é só para ter a sensação de olhar vitrines quando eu tiver um ímpeto consumista —ok, admito: eu tenho ímpetos consumistas.

7. Você também poderá ouvir música. Mas, claro, você terá que ouvir a mesma música o ano todo, pois só pode escolher uma. Qual você leva? E se fosse um CD?
     As times goes by. Só para eu dizer "play it, Sam" e tomar um espresso com meu ar blasé #32 enquanto olho o pôr-do-sol na ilha. CD eu levaria The last great concert, do Chet Baker. O Chet era um sujeito que entendia das coisas, sem contar que, nesse CD, ele toca duas versões de My funny valentine.

8. Você poderá escolher um dia do ano para fazer uma única ligação para uma única pessoa, com quem poderá falar por 10 minutos. Para quem você vai ligar, quando e por que?
     Para mamãe. Só para avisar que eu vou demorar pra chegar em casa. E que, sim, eu estou bem agasalhado, comi direitinho, não exagerei na bebida, estou em boa companhia e vou tomar cuidado no trânsito. Eu fico com remorso se a deixo preocupada, sabe?

9. Você poderá escolher um programa de TV para assistir ao longo deste ano na ilha - limitado à freqüência de uma vez por semana. Você só não poderá assistir nenhum tipo de noticiário, fora isso não há restrições. Que programa você quer assistir?
     Pode ser o Cine kickboxer, na Record —ou era na Band?—, às terças-feiras —ou era nas quartas?. E quanto mais sangue falso, melhor. Sei que é trash, mas é tão legal...

10. Quando for seu aniversário, você terá direito a receber uma carta de um(a) amigo(a) ou familiar que tenha uma novidade para contar (sobre si próprio ou não). De quem você gostaria de receber a carta e com qual notícia?
     Olha, pensei bastante e não soube responder essa. Mas com certeza seria muito irônico se eu passasse um ano inteiro esperando uma carta de alguém legal e encontrasse só uma daquelas promoções imperdíveis da Reader's Digest avisando que um Honda Civic está a caminho da minha ilha.

11. Como não queremos que você transforme uma bola de vôlei no seu melhor amigo imaginário e a única pessoa na ilha será você, você terá direito a levar um animal de estimação para lhe fazer companhia (veja como estou facilitando sua vida!). Que tipo de animal você escolhe e por que? É um animal que você já tenha?
     Eu levaria numa boa o Rex, o mascote do blog, mas ele é feito de pixels e não sai do sofá do Acepipes por nada no mundo. Já a Gabi, a cachorrinha lá de casa, não toparia o convite. Ela precisa de ração balanceada, chocolate, pão com manteiga e as almofadas da sala para sobreviver.

12. Do que você acha que sentirá mais falta? (Contato com as pessoas? Tecnologia? Não saber o que está acontecendo no mundo? Etc…)
     Da minha vidinha, no geral. Tem gente que acha sem graça, mas eu me divirto, sabe?

13. Por outro lado, o que você acha que será positivo, proveitoso ou benéfico na experiência? Ou divertido?
     Um ano sem ouvir Armandinho e Latino? Obrigado, meu Deus, morri e o Senhor me admitiu no paraíso! Cadê o Pedrão?

14. Por fim, você tem direito a levar 3 outros itens à sua escolha que: a) não entrem em contradição com nenhuma das perguntas anteriores; e b) não seja algo que você vá usar para sair da ilha, como um barco, por exemplo. O que você vai levar e por que?
     1) O GameCube (mas, pelamordedeus, não esqueçam de mandar meus jogos do Super Mario!); 2) minha gaita, porque eu teria tempo suficiente para aprender a tocar direito; e 3) meus materiais de desenho, pelo mesmo motivo.

6.12.07

Réquiem a um sorriso

          em memória de minha avó Ester,
          de quem não consigo lembrar senão
          com um sorriso


Pena, vó,
os que lerem isto aqui
não poderem
ler nossas entrelinhas
(só nós sorriremos quando,
lá na frente, num outro verso,
eu escrever
"bicho besta" ou "tapaço"...)
     Sorrio ao lembrar de ti
sorrindo
(cara feia só fazias
ao meu café sem açúcar)
     Parece, vó, que
posso ainda visitar-te
para ouvir, interessado,
como anda tua vida
e o tique-taque do relógio da cozinha
     E depois pedir
as histórias de sempre:
a sapataria do avô Amaro,
o primeiro emprego do meu pai
e a gulodice do João Marra
     E então sorrir
recusando
um outro prato de arroz,
um pedaço generoso de goiabada
e uns tapaços para tomar jeito na vida
     E passear
com o Rafael, o Vitor e a Patricia na pracinha,
descer o morro aos solavancos,
colher para ti flores amarelas
e cantar a música da Nara Leão
     E sorrir
e rir
(como ríamos, vó!)
     Que bicho besta
é a vida!
Mas ela é só um instantezinho
e logo sorriremos
juntos de novo

* * *
p.s.: Minha avó faleceu neste fim de semana, em São Paulo. Por isso a falta de posts e o sumiço dos blogs amigos.