18.2.07

Diário de viagem - epílogo

O que fica depois de uma experiência como essa? Bom, depois que se volta de uma viagem assim, nada mais é como antes.
     Não foram vinte dias como planejei, mas foram oito dos melhores dias da minha vida. Oito dias intensos, emocionantes. Se toda minha vida tenho vivido como cordeiro, então esses foram meus dias de leão. Eu testemunhei a imponência dos Andes, vi o azul do Titicaca, conheci a sabedoria de culturas milenares. Impossível permanecer impassível a isso.
     Foi a hora da verdade. Coloquei em prática tudo o que aprendi durante a vida. Falei todos os idiomas que conheço - português, espanhol, inglês, francês e até japonês, quem diria -, lembrei-me do treinamento militar e das lições de geografia, queimei uns miolos na matemática, cuidei de minhas finanças, fiz minhas gambiarras. Usei até meu kung fu.
     Conheci muitos e novos lugares. Lugares que me causaram tristeza, lugares que me trouxeram melancolia, lugares que me fizeram pensar na vida, lugares que me lembraram de Deus, lugares que me jogaram numa alegria imensa, lugares que me proporcionaram paz de espírito, lugares que me instigaram.
     Mais que lugares, conheci gente. Mabel, a moça que me ajudou na Tam. Angel, a simpática sargento da polícia turística. René, o dono do hostal em Copacabana. Señora Maria, que dividiu comigo suas maçãs. Señora Mercedes, que me ensinou a rezar em espanhol. A garçonete do café em La Paz. Os taxistas todos que me conduziram. As cholitas e suas inseparáveis trouxinhas nas costas. Os policiais tão solícitos. O grupo de japoneses, as duas irmãs argentinas, os americanos, o casal de franceses... Tanta gente.
     E mais que gente, eu conheci a mim mesmo. No fundo, no fundo se eu conheci algo nessa viagem, foi a mim mesmo. Muito do que eu pensava a meu respeito caiu por terra. E me descobri capaz de muita coisa que nem sequer imaginava. E, se antes eu era amigo de Deus, depois dessa, fiquei unha e carne com o Homem.
     É bom estar em casa de novo. É bom sentar-me ao meu computador para saber dos amigos, tomar uma boa xícara de chá, pegar um chocolate na gaveta, escolher uma entre as minhas músicas preferidas para ouvir ou puxar um livro da prateleira para folhear, preguiçoso. Tudo isso agora tem uma profundidade maior, um significado que não se explica em palavras. Na minha própria cotação, o valor da minha vida subiu assombrosamente.
     Gratidão é o que sinto agora. Sou grato a Deus, que me permitiu viajar e regressar a salvo. Sou grato ao povo da Bolívia, que me acolheu com tanto carinho. Grato à minha família, que, assim como me abençoou na partida, deu graças a Deus na volta. Grato ao meu tio, que me presenteou com os tickets da viagem e não mediu esforços para o meu "resgate". Grato aos amigos, que estiveram presentes com seus e-mails, comentários e até no silêncio de quem acompanha tudo sem dizer nada. Meu mais sincero "muito obrigado", espero um dia poder retribuir tudo a todos.
     E se, num dia qualquer, alguém me pegar olhando, distraído, pela janela, que não me chame à realidade. Não me interrompa. Estarei planejando minha próxima aventura, pensando qual o novo horizonte a perseguir.

* * *

p.s. Só uma coisa me frustra. Vi uma só lhama durante toda a viagem, e nem consegui tirar foto. Ainda vai demorar um pouco para engolir essa.

7 comentários:

Anônimo disse...

Dizem que nossa maior viagem é a para dentro de nós mesmos.... Por isto tanta gente que compra os livros de auto-ajuda.... vc é a prova que para se conhecer é preciso mergulhar no desconhecido de fora... Bom, seja bem vindo ao lar novamente

Daniel Avellar disse...

tome cuidado apenas para nao perder esse sentimento, mestre...

o ser humano se acomoda muito facil, é comum a gente se esquecer dessas pequenas grandes coisa que nao fazem dar mais valor a nossa vidinha

Daniel Avellar disse...

a proposito, vc poderia dar um toque para os meus pais, só pra eles saberem que já está tudo bem....

Anônimo disse...

Welcome back! Bom, espero que a única lhama que você encontrou tenha sorrido pra você!

Isadora disse...

emocionada. só isso. só isso...

Anônimo disse...

Nada melhor do que viajar para se ter uma idéia do quanto somos pequenos (mas não insignificantes) neste Mundo de Deus...
Sua experiência de ter acabado a faculdade merecia uma ampliação de horizontes, para descobrir que depois de 15 ou mais anos de estudo, tudo o que sabemos é uma centelha perante ao Universo. Por isso te presenteei com as passagens: achei que fosse hora de começar a praticar tudo aquilo que aprendera até então, no aprendizado que a vida que te proporcionou.
Sua escolha de destino foi chocante, aproveitando muito bem o presente! Eu não teria feito melhor... 8)
Agora que a viagem virou lembranças e a experiência já faz parte do seu processo de aprendizado, não esqueça do mais importante:
Desenvolver 'olhos de turista' na sua visão do dia-a-dia, pois tudo o que você viveu conhecendo novos lugares e pessoas, nada mais é do que o cotidiano de outras pessoas, outros povos; e quando conseguimos desenvolver este tipo de olhar no nosso cotidiano, a vida se torna uma experiência muito mais rica e divertida - e nossa insignificância parece reduzida diante de nossas atitudes de aprendizado.
Que Deus te abençoe e conserve em você o espírito aventureiro.
Abraço.
Tio

Raphael disse...

Olá sr. Bruno!

Bem, como na faculadade, cá estou eu, "um pouco" atrasado. Acho que me enquadro na lista dos que acompanharam silenciosos.

Li todos os seus posts, e não posso deixar de falar: até em um diário os seus textos são interessantíssimos. Você escreve bem pra caramba. Parece que toda a emoção do que você estava vivendo lá na Bolívia estava chegando até aqui através de simples letrinhas.

Me surpreendi com sua coragem. Me surpreendi com os posts do seu pai, da sua mãe e da sua avó. Me surpreendi com a sua sensibilidade, que me pareceu mais aflorada lá que aqui.

Acredite, todos vibraram com essa sua aventura. E Deus gosta bastante de você, não é?

Volte logo para cuidar dos seus projetos. Não é por nada, mas acho que você vai voltar até mais falante... hehe

Bom restante de férias, e... aquele abraço!