Era uma noite fria de agosto. Já era tarde, e o último ônibus saía da praça. Não eram muitos passageiros, o que deixava tudo ainda mais silencioso. Cada um com sua vida, cada um com seus interesses, cada um com seus olhos embaçados de sono e cansaço. Havia lá dentro um único par de olhos que brilhava. E, não por coincidência, eram da mesma moça os únicos lábios que sorriam no ônibus.
Assim como os outros passageiros, ela trabalhara o dia inteiro. Sentia-se cansada também. O dia fora de movimento no café, e ela não sabia a conta de quantos clientes servira. Tinha tudo para ser mais um par de olhos sem brilho, mas sentia-se inexplicavelmente feliz. Talvez sorrisse simplesmente por não ver motivos para chorar. Uma lâmpada fluorescente em cima do cobrador piscou uma, duas vezes, relutou e apagou.
Não era o melhor emprego do mundo, estava longe de ter o melhor salário do mundo e, pensando bem, não tinha lá a melhor clientela do mundo. Mas ela gostava, e não sabia atender alguém senão com um sorriso no rosto e suas melhores maneiras. Uma garoa fina começou a borrifar gotas que brilhavam com as luzes da cidade na janela do ônibus.
A família vivia longe, ela viera para a cidade depois de perder o pai. Morava de aluguel, sozinha desde que seu gato sumira há algumas semanas. Não quis outro novo para não sofrer mais e, inocente que era, nem cogitara desconfiar da vizinha, que na verdade o houvera envenenado. Passava muito pouco tempo em casa, mas mantinha tudo impecável. No fim de semana passado, comprara um tecido de flores para costurar umas cortininhas para a janela da cozinha.
Amanhã seria dia de folga. Na hora do almoço, ela fora até o cinema para ver o horário dos filmes e aproveitara para já comprar a entrada. Era um filme novo, francês, e ela adorava filmes franceses desses de amor. Ia sempre sozinha ao cinema, mas não se ressentia disso. A campainha do ônibus soou quando ela levantou e apertou o botão.
O motorista parou, ela desceu e tomou o caminho, sob a luz fraca e avermelhada dos postes. A passos apressados, deixou para trás um outro passageiro que também descera. Ninguém a esperava em casa, mas ela não se sentia sozinha. Queria colocar uma roupa confortável e quente, tomar uma sopa e assistir um filme na tevê. Debaixo da garoa fina que molhava de leve o casaco, ela sorria.
Quando chegou na esquina, foi abordada por alguém encapuzado. Já entregava a bolsa quando ouviu um grito. Era algum vizinho que havia visto a cena e chamava por ajuda. O ladrão se assustou, e foi só o tempo de ouvir um estampido e sentir algo quente entre os dedos. Ela não chegou a ver o sangue que escorreu no chão. Era uma noite fria de agosto, e o mundo pareceu mais escuro quando mais um sorriso se apagou.
16 comentários:
mais uma repetida, mas não faz mal porque eu sempre gosto de reler estas suas crõnicas...
Que triste...:o((
estamos tão 'desmontados', nós, né... ai ai.
caraca... ueheuheueh
eu pensei: "quando ela descesse do onibus ficaria legal se ela morresse" e nao foi o q aconteceu?! iuahiauhaaiuhaiauh show cara.
ate+
:(
Pq?
Deveras belíssimo texto...Parabéns!!
Uma gota de lágrima brilhou
E clareou meu redor,
Enquanto escorria pelo meu rosto
(ao ler sobre a noite de agosto), A gota de lágrima acesa...
Que não vai deixar essa garota indefesa
Morrer sem luz.
Abrçs...
lin do esse texto
tu sumiste do meu blog
uhsauasuhsa
Eu gosto de crônicas.. principalmente das reais...
beijo
Forte e real! Parabéns
OI BRUNÃO,
O mundo está a conspirar, a favor de uns e contra outros.
Tomara que nem eu nem tu estejamos na lista contra.
Passei prá te desejar sorte. A sorte de que necessitas para ser feliz.
Um abraço
Naeno
ah axo q lembro da historinha no outro site... massa ate fikei imaginando um filminho de suspense... eu queria ser o cobrador do onibus q nao aparece a historia hehe
De uma certa forma, obrigada pelo ombro amigo!
Beijos
Mariliza
Nossa bruno, que forte. me deu um "back" no final.
Eliane
Leitura deliciosa,triste realidade...
Obrigado.
Você precisa economizar mais os seus personagens, como é que mata assim uma mocinha com tantas possibilidades?
Escritor assasino!
Olha, imaginei ela dentro do Tarumã e caminhando por uma rua perto do Terminal do bairro, e sendo assaltada por um desses malaquinhos que tem por lá.. eheheh bem familiar esse conto..
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