Era um dia sem nada de especial, o dia mais ordinário que se possa imaginar. Quarta-feira, meio de mês, naquela hora em que ainda não é noite mas não é mais dia.
Eu voltava do trabalho e, depois de descer do ônibus, passava em frente ao grande terreno baldio perto de casa. O vento balançava de leve a copa das duas enormes paineiras —no dia em que as derrubarem para construir um conjunto de casinhas sem graça, juro que chorarei.
Nada de especial me havia acontecido antes, nada de especial acontecia naquela hora, nada de especial aconteceu em seguida. Era minha vida de todos os dias, e só. Eu andava, mãos nos bolsos, pela rua, e só.
Os cachorros da rua me olharam meio desinteressados, um saco de lixo especialmente generoso lhes chamava muito mais a atenção. Os pardaizinhos não voaram quando passei entre eles —tive de desviar para não pisá-los— e o bem-te-vi gritou para avisar que, se eu chegasse perto do ninho, ia ter briga.
Sei que esta não é minha história mais interessante. Não há muito mesmo o que contar. A vocês deve estar soando tedioso já, mas a mim, ah!, faz todo o sentido. Era um dia como outro qualquer, mas foi um dia especialmente iluminado.
Porque num segundo —ou talvez nem isso: numa fração de segundo— senti a vida pulsar dentro de mim como nunca. A vida em toda sua majestade, em toda sua magnitude, em todas as palavras grandiosas que eu saiba escrever. Minha vida de todos os dias.
Não gritei aos quatro ventos, não dancei comigo mesmo, não conversei com os vira-latas, não cantei com os passarinhos. Não foi bem assim uma cena de musical de Hollywood. Eu sorri, simplesmente, de uma felicidade serena, silenciosa. Não havia mais ninguém na rua, ninguém que testemunhasse o sorriso mais satisfeito que já dei em toda a minha vida.
Ordenei a mim mesmo que guardasse aquele momento na memória. Foi um instante fugidio, mas definitivamente inesquecível. Um segundinho só, mas a lembrança dele há de durar o quanto Deus permitir que dure a minha vida.
12 comentários:
A doce felicidade da rotina.
Isso é bom.
;D
Nossa, que lindo!
Este texto é a prova viva de que a felicidade não advém do estraordinário. É a consciência do comum que nos trás estes momentos!
Bjs!
Momento único que só os privilegiados conseguem ter. Os que tem o privilégio de aceitar e sentir a vida como uma Dádiva Divina Diária.
Maravilhoso, meu querido e me fez querer sentir o dia desta forma.
Beijos
Mariliza
Que sentimento gostoso...você tem um dom impressionante para manipular palavras.
Ah...perguntita: é impressão minha ou você se amarra em pássaros?
Beso
Olá, peço que, se possível, divulgue o site do poeta Ulisses Tavares (www.ulissestavares.com.br) em seu blog.
Mandando um email para nós você concorre a um livro por semana do escritor!
Desde já agradeço a gentileza.
Abraços!
Olha, foi bom ler isso. Assim, nada de especial, mas foi bom mesmo...
hum, com esse negócio de terem apagado o extinto depósito (o que me deixou meio chateada, de certa forma - apesar de ter me deixado uns textos na gaveta pra momentos de seca criativa), acho que vou ter que recomentar seus textos de que mais gostei. Mas poxa, não é mesma coisa =/
me lembro de quando, da primeira vez li, reli esse texto - por já ter me flagrado algumas vezes em momentos como esse - pensei algo como: nossa! e não é que é assim mesmo! e ele conseguiu colocar em palavras!
beijo
ps. qualquer hora dessas você pode atender a pedidos e republicar aquele texto sobre o tempo e o chá?
Em certas partes do mundo isso tem nome: samadhi, satori, ékstasis...
é amiguinho... talvez ai more a felicidade...
Nossa... texto perfeito ow! Teve a manha! Parabens! =D
Isso só prova que os prazeres da vida estão mais perto do que se imagina......adorei.
Eu sinto que essas suas palavras já estavam dentro de mim há muito tempo. E aqui duas mágicas aconteceram: você ter escrito isso de forma singela, bem como a felicidade chega na gente, e eu ter encontrado esse pequeno presente pra uma sexta-feira ensolarada.
Confesso que venho aqui no seu cantinho buscar inspiração há algumas primaveras.
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