(Ou "Dos clichês de novela das oito")
Abertura.
Música do Tom Jobim.
Nascer do sol em Copacabana. Pessoas caminhando no calçadão. Jovens jogando futvôlei.
Washington Cleyson correu para pegar o primeiro trem saindo do subúrbio. Tomou um esbarrão de um trombadinha que quase levou a mochila. Deus me livre, os livros da faculdade, que ele conseguiu com tanto esforço. Um dia vou ser doutor, ele pensava. Ser doutor e ajudar minha mãe.
O vagão estava tão cheio que ele nem precisava se segurar. Cochilou em pé mesmo e sonhou com a moça rica que entrou no bar do clube uns dias atrás. Ah, se um dia ela me desse bola...
* * *
O sol brilhava alto e Cíntia Patrícia, a moça rica, caminhava pelo calçadão. Rebolava e balançava bem os braços em suas roupas de ginástica compradas em Miami. Os homens viravam para olhar.
No caminho, encontrou o ex-namorado carregando a prancha, ainda molhado do mar. Balançou, mas ficou firme quando ele disse que estava com saudade. Colocou o óculos escuro, esnobou, disse que agora estava bem, saindo com um homem de verdade. E rico. Humpf.
Saiu balançando ainda mais os braços.
* * *
A caminho da padaria, dona Teresa Cristina, mulata bonitona, cumprimentava os conhecidos na rua. Toda a rua, na verdade. Como todos os dias, ganhou cantada do malandro desempregado e riu, divertida. Era mulher batalhadora, conhecida na comunidade.
No balcão, encontrou com a amiga cartomante e comentou que Washington Cleyson tinha vindo de novo com o papo de querer saber quem era seu pai. Queixou-se de que era jovem e boba, como é que foi cair na conversa de patrãozinho? Ficaram de ler as cartas mais tarde.
* * *
Música internacional.
Carros passando no Leblon. Pão de Açúcar. Crianças brincando no parquinho.
Helena almoçou entre papéis do escritório. Mulher independente, vivida, divorciada, cuida dos filhos, sustenta a mãe idosa e ainda tem tempo para cuidar da pele e dos cabelos.
Telefone. Era sua melhor amiga, para confirmar o fim de semana em Búzios e avisar o bonitão dono da livraria estaria lá também. O som do restaurante começou a tocar uma música conhecida e Helena suspirou ao lembrar de Rodolfo Augusto, o antigo amor de sua juventude. Por onde andava?
Aliás, melhor desmarcar Búzios. O que ela precisava mesmo é de uns dias calmos em Petrópolis.
* * *
Enquanto o sol baixava no Leblon, Rodolfo Augusto pensava nas mulheres de sua vida. Possuíra muitas, sussurrara ao lado de muitas, mas só uma o fez suspirar: Helena, o amor de sua juventude. Helena, que o deixara quando soube que ele havia engravidado uma antiga empregada da mansão.
A luz tingia o apartamento de tons dourados. Por trás das persianas meio fechadas, o mundo lá fora parecia longe demais de seu flat. O celular tocou: era Cíntia Patrícia, a lolita inconveniente. Desligou o aparelho. Hoje não.
A música suave de fundo e o barulho das pedras de gelo no copo de uísque o deixavam mais calmo. Melhor subir para Petrópolis no fim de semana, pensou. Uns dias calmos em Petrópolis bem que fariam bem.
* * *
Ofendida, Cíntia Patricia jogou o celular na piscina do clube e pediu seu drinque favorito. As amigas pediram só uma aguinha de coco.
Deve estar com aquela mulher de novo, aquela mocreia velha, bufou de raiva. As amigas elegantemente aconselharam a pagar na mesma moeda e Cíntia Patricia disse que era isso mesmo, que ia traí-lo com o primeiro homem que aparecesse na frente. Ajeitou os óculos escuros.
Nisso, chegou Washington Cleyson, o garçom, trazendo as bebidas.
Música do Vinícius.
Pôr-do-sol no Arpoador. Cristo Redentor iluminado. Carros passando.
Créditos.
13 comentários:
Mas ficou mais legal, assim, sem o Zé Mayer. (Sei lá se ele tá na novela, mas deve tar...)
ué, mas o Zé Mayer não seria Rodolfo Agusto?
só faltou o depoimento com história edificante de superação pós crédito que virou marca registrada nas novelas manoelcarleanas.
aliás, impressionante como as pessoas aprendem a conhecer o Rio só de ver na tv. hahahahaha
muito engraçado, adorei.
beijos
olha.. já da pra escrever pra Globo e ganhar dinheiro! rs
ou voce pode começar baixo e ganhar uma grana na Record, com o mesmo elenco que a globo teria, com o orçamento mais baixo.
hauhauahuahua
adorei.
Hehehe! Gostei, assim eu não preciso assistir pra saber que clichês estou perdendo!
Trama interessante, faz pensar em como o mundo parece pequeno na telinha. E os nomes dos personagens merecem um Jaboti (ou será um troféu Imprensa? Isso ainda existe?)
Plim-plim!
:)
Estou sem palavras, sensacional...
Muito bom!
Ta quase um roteiro digno de novela das oito, só precisa mudar os nomes dos personagens pq esses nomes composto soa muito novela mexicana :P
Hahauahuahau!
Mas cadê os depoimentos de lição de vida, do final??
hahahah, vai desbancar o manoel carlos!
trama, enredo, trilha sonora, muito melhor que as dele.
bom, eu posso fazer a parte dos depoimentos no fim!
"Boa noite, eu me chamo Fulana..."
Sei lá.......
Tá vendo. Por que ele é milionário e você não?
"A luz tingia o apartamento de tons dourados. Por trás das persianas meio fechadas..."
Isso sim, mostra que o cenário é mesmo da novelas de Manoel Carlos...
Muito bom!
Se você não escrevesse muito bem, eu já teria parado no título. Pense nisso como um grande elogio - porque novelas me enojam de profundis.
Eu tenho um bordão: quem vê novelas não consegue ler bons livros, com densidade psicológica, emocional, verdadeiras tragédias da vida real.
Novela é o equivalente de morfina. E quem curte morfina não pode suportar e experienciar a dor. O choque. A colisão.
A boa literatura traz esses momentos. Já leu O Idiota, do Dostoiévski? O cara vai quebrando cada expectativa do leitor, como você fez admiravelmente bem com a estorieta do café.
Aliás, eu acabo de fazer uma ótima reflexão comparativa.
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