3.2.14

Duzentas

capítulo segundo


O Major ficou deitado ao sol enquanto o dono cortava a grama pela segunda vez em dez dias. Seu Jonas trabalhou quieto por toda a manhã, rádio desligado para poder se concentrar nas próprias ideias. Na hora do almoço, de volta à mesa, estendeu o prato para o bife e declarou, como quem anuncia que vai à busca de um novo continente:
     — Pois vou fazer um experimento científico!
     Dona Dalva mal tirou os olhos da frigideira, preocupada com o corte ruim que o açougueiro lhe havia vendido. O Major, corpo na varanda, cabeça no degrau, olhava para o fogão com a eterna esperança canina de que dali sairia um naco de carne para ele também.
     — Quero ver se eu consigo viver como o Major, sabendo só umas duzentas palavras.
     A mulher desligou o fogo e sentou-se à mesa, mais irritada com o manjar que se despedaçara ao ser desenformado do que com a ideia do marido, que –quarenta anos de casamento a ensinaram– haveria logo é de ser esquecida:
     — Larga de moda, homem. Vai querer latir que nem o cachorro também?
     Mesmo depois de almoçar debaixo de uma chuva de desencorajamentos, seu Jonas seguiu firme na sua decisão de buscar novos horizontes. Dona Dalva, recolhendo a louça, seguiu firme em dois pensamentos: o de que homem dentro de casa não presta mesmo e o de que a cerca precisava de uma pintura nova. Deitado na varanda, o Major, cujo rabo varria o piso avermelhado para lá e para cá, parecia não ter opinião nenhuma.
     Depois do manjar despedaçado, a dupla de homem e cão foi, num silêncio pensativo, à loja de ferragens atrás de tinta para madeira, ambientes externos.

* * *
Caso não tenha lido -e caso interesse ler-, o primeiro capítulo da história foi publicado esses dias atrás nesse post aqui.

Um comentário:

ex-amnésico disse...

Gostei da idéia, vamos ver aonde vai chegar...