12.2.07

O assalto

Saindo do Cerro Calvario, não há outro jeito para voltar para cidade senão passar por umas quebradas. Feias. Mais feias que as mais feias do Brasil. Começava a chover, e eu nem pensei no perigo da ruela deserta.
     Quando cheguei na primeira esquina, pularam dois homens, ambos armados, encapuzados. Não pude pensar muita coisa - muito menos fazer - antes que me abordassem. Um revistou-me os bolsos, além de dar uns incômodos cutucões com o revólver, enquanto o outro vigiava e me apontava a arma. Não sei porque, não se interessaram pela mochila. Mantive a calma que era possível. O bandido apalpou o bolso onde estava a câmera e não a quis, porque pensou que era um celular - ufa!. Queriam dinheiro. E foi o que ele achou no cinto escondido debaixo da calça. Puxou e jogou para o companheiro, enquanto me chutou por trás da perna. Quando caí de joelhos, ele engatilhou e encostou o revólver na minha cabeça.
     O outro colocou a arma atrás, presa na calça e começou a fuçar no cinto - que é como uma pequena pochete, onde se põe documentos e dinheiro escondidos por baixo da roupa. Acho que foi o momento mais tenso que eu jamais vivi: ajoelhado, a milhares de quilômetros de casa, com uma arma engatilhada apontada para minha cabeça, imaginando se ela seria disparada ou não.
     Incrível como nessa hora a gente pensa rápido. Num segundo eu pensei em dezenas de coisas. Vi minha vida passar diante dos olhos, pensei na minha mãe em casa, chorando um filho que nunca voltaria. Na minha cabeça, confusa como estava, tudo estava perdido, e foi aí que decidi reagir. Se fosse aquela a minha hora, eu partiria em pé.
     Sabe Deus com que coragem, eu segurei a mão com que o bandido segurava a arma, e me levantei sabe Deus com que agilidade. Bati com meu antebraço no cotovelo dele, forçando para cima, e puxei sua mão para baixo, fazendo força contra o movimento natural da articulação. Ouvi um barulho horrível e vi sangue e um pedaço do osso. Fratura exposta. Benditos treinos de kung fu que me ensinaram a técnica. O outro mal teve tempo de se virar, o golpeei na nuca com as duas mãos, com tanta força que o joguei de cara na parede.
     Saí correndo sem olhar para trás. Confiei em Deus. Ele tinha me dado força para reagir, e com certeza Ele faria com que não atirassem em mim. Imaginei que tinha posto os dois fora de combate, mas não quis olhar para me certificar. Acho que bati o recorde mundial dos 100 metros rasos, pena que não tinha ninguém para testemunhar no comitê olímpico.
     Cheguei na avenida, pedindo ajuda e a polícia veio rápido, acho que estavam ali por perto. Logo juntou uma platéia de curiosos enquanto eu contava o caso. Nem reparei que estava falando português, a mil por hora, e ninguém entendia lhufas. Respirei fundo e expliquei de novo, en español.
     Um senhor me acompanhou até a delegacia enquanto os guardas saíram atrás dos bandidos. Acho que o sargento não acreditou muito na minha história, até que voltaram os dois policiais dizendo que não encontraram ninguém. Porém, viram no local uma poça grande de sangue e mais um pouco escorrido numa parede, como se alguém tivesse batido o rosto. Deduzi que, além do braço, quebrei um nariz na fuga.
     Voltei para o hostal e só aí caí em mim. Acho que eu devia esconder esta parte, mas chorei por umas duas horas, desesperado. Decidi que não queria mais ficar naquele lugar. Fim de viagem para mim. Demorou para conseguir recobrar o controle.
     Anoiteceu e fui na lan house, pensando em como dar a notícia. Acabei contando a verdade de uma vez só, nua e crua. Estava tão burro que não consegui pensar num jeito mais suave. Não dormi aquela noite. Lá pelas 4h00, cochilei um pouco, sonhei que uns homens me procuravam no hostal, um com o braço engessado, e acordei assustado.
     Arrumei minhas coisas para sair cedinho, de volta para La Paz. Quando estava lavando o rosto, bateram na minha porta. Prendi a respiração, devo ter ficado branco como cera. Foi um alívio ouvir que era a polícia. Haviam achado meu cinto com o passaporte jogados na região do assalto e vieram me devolver. Um pessoal muito atencioso.
     Mas, mesmo assim, para mim já tinha sido demais. Já havia decidido que iria para casa. Estava a poucos quilômetros da fronteira com o Peru, mas voltei para trás. Embarquei no primeiro ônibus para La Paz, às oito da manhã.
     O grosso do dinheiro estava escondido - com licença, senhoras e senhoritas - na cueca. Mesmo assim, foi um prejuízo considerável. Saldo final: perdi 120 dólares, 20 bolivianos, 30 reais e o cartão de crédito. O passaporte, como contei, consegui de volta.
     Mas saí inteiro, o que me valeu mais que todo o dinheiro que eles poderiam ter levado. Mais que todo o dinheiro que eu ganhe em toda a minha vida. Nuestra Señora de Copacabana me livrou de uma boa enrascada.

13 comentários:

Diego disse...

Heh. :)

Bos história. Tem o seu lado difícil (ver o filminho nunca é fácil), mas é assim mesmo que tem que ser.

Mas não fique se achando não. Vc só quebrou o cara, pq era carne ruim. Se fosse carne de Trasgo, vc teria quebrado a mão (de volta :P)

Bom saber que está de volta. Por um tempo eu pensei que iria ter que encarar o Japoneis sozinho, na luta final.

Por outro lado eu fiquei feliz achando que tinha ficado com um gamecubo só para mim :P

E aí? Vai pintar o cabelo de loiro e arranjar um kimono vermelho agora?

Anônimo disse...

O que eu poderia dizer agora?? Pelo menos sobrou-lhe a vida e o dinheiro para uma bela refeição até chegar em casa néh!! AH! Com direito a belos Good-gooods quando estiver novamente em Curitiba!!!

Aquele abração, velho amigo... e vê se não se acostuma a nos assustar desse jeito!!! Fica com Deus!!!

Anônimo disse...

Wow...
Sem comentários...
Apenas isso...

Grande abraço meu amigo...

Anônimo disse...

Perdi o ar lendo tudo isso! Caramba mesmo. Nunca mais brigo com vc meu irmão queriodo rs!
Deus te proteja sempre!

Anônimo disse...

oi Bruno!! não consegui screver antes pra voce, mas pode ter certeza que li todos os dias durante sua viagem!
Estou muito feliz por voce estar de volta, ainda nao em casa mas já está na companhia da família, e é o que conta!
Rezei por voce todos os dias, aliás eu e minha mãe...
beijos e até Curitiba!!

Eli

Anônimo disse...

Putz não canso de ler e pensar.... ai eu visualizo você fazendo isso e não consigo realizar.... Quando chegar você vai ter que fazer uam demonstração... Eu me proponho a fazer o papel de um dos bandidos e sei que o DN faz o outro.... Afinal, como ele bem disse, você pegou uns cara com carne de má qualidade....

Monize disse...

Meu Deus! Ainsa não consigo acreditar em tudo isso!!! To falando que a gente tinha que criar um prêmio Bruno Palma para demonstrações de defesa pessoal... ahuahuahuaha
Mas que bom que tudo está bem... e eu quero ver a reconstituição heim?! hauhauahuahuah
Beijos!!!!!!!!

Daniel Avellar disse...

bixa.

sorte sua que nao era eu (se fosse no peru podia até ser...), aí sim eu queria ver pra quebrar!

bom te-lo de volta à terrinha

Anônimo disse...

Caramba Bruno! Que adrenalina! Só por Deus mesmo para vc ter tido esse momento de lucidez e controle da situação! Graças a Deus que vc está bem! Se cuida rapaz.

Anônimo disse...

Você só não contou como foi achado o passaporte... diz que 2 caras chegaram totalmente arrebentados no "Pruento Socuerro" de Copacabana, daí a polícia veio investigar, achando que tinha sido acidente... mas os caras não quiseram prestar queixa, afinal, vai que 'brasileño po...ra lueca' volta.... ah ah ah
Mandou bem!

Anônimo disse...

Mais uma vez, Bruno, vc me causa admiração. Que Deus o mantenha com essa força, com esse espírito e com todas essa bênçãos! Bj.

Unknown disse...

E o professor que ensinou a técnica do Louva-a-Deus não ganhou nenhum agradecimento.
Este alunos...todos ingratos!!!

Abraço!

Elga Arantes disse...

Se eu fosse politicamente correta, diria que vc foi errado demais ao reagir. Podia ter morrido.

Mas, na verdade, adorei vc ter quebrado os dois. Queria ver a cara deles, chegando em casa....