22.3.07

Bingo!

— Número 13. Azar para uns, sorte para outros. Marquem aí o 13!
     E as velhinhas procuravam, excitadas, nas cartelinhas do bingo da igreja. Quem marcava, batia palmas de satisfação. O cantador sabia muito bem como fazer seu show.
     — Número 15! Quinze, a idade da dona Idalina.
     E a dona Idalina —que na verdade tinha lá seus 70 anos— mexia no cabelo, envaidecida pelo elogio. Era festa da padroeira, vinha gente de todo a região, mas quem gostava mesmo de um bingo eram as velhinhas. E como gostavam!
     — Pedra 38. O calibre do revólver do padre.
     Durante o sábado o carro de som já percorrera o bairro, com o mesmo aviso de sempre: missa festiva com presença do bispo, grandioso churrasco e tradicional bingo com valiosos prêmios. Tudo como sempre, inclusive as piadas do cantador, mas quem liga para isso?
     — Olha o 33, idade de Nosso Senhor.
     — Marquem o número 6. Se não tiver na cartela, serve meia dúzia também.
     — 22, os dois patinhos na lagoa.
     — 51, uma boa idéia.
     — É agora que o Zé se entrega: 24, veado na cabeça!
     — Saiu aqui o 69. Hum... deixa para lá, né, padre?
     A mais concorrida era a rodada extra, quando só ganhava a televisão quem marcasse cartela cheia. Lá pelas tantas, quando as velhinhas todas estavam no ápice da empolgação, ele soltava:
     — Pessoal, a dona Terezinha lá atrás desmarcou a cartela. Só um minutinho que eu vou repetir todos os números mais uma vez!
     Balde de água gelada nas velhinhas. Protestos. Vaias. Imagina, parar de tirar os números justo agora! Mas era tudo encenação do cantador, só para fazer graça.
     — Quem está esperando a boa?
     E as velhinhas todas levantavam a mão, divertidas. E então vinha o grito, esperado grito, lá do fundo do salão:
     — Bingo!
     Era a dona Idalina, a septuagenária de quinze anos, e as velhinhas todas olhavam com cara de despeito, cara de quem estava por uma só. Quinze rodadas depois, no fim da tarde, convite para assistir um filme na casa da ganhadora da tevê, desabafos de quem ficou esperando a pedra que não veio e broncas de quem quase morreu do coração. E elogios. Ele era o melhor cantador da paróquia, literalmente.

14 comentários:

Isadora disse...

esses seres-clichês tornam a vida tão divertida, nao !?

Anônimo disse...

meu apê é nº 13 hihihi

Anônimo disse...

pra quem não sabe este é um post autobiográfico... se bem que o menino bruno bem que queria ser cantor engraçaralho assim
heheheheheheheheheh


muito bom

Anônimo disse...

Baseado em fatos reais:

Rodada dos sem sorte
- Letícia, essa eu levo.
- Parabéns, vc é a pessoa mais sem sorte do salão.
Kit A Vida é bela.
Cheers!

Avid disse...

Hummm... que dizer mais?
Bingo! Escreves muito bem...
Bjs meus

dän disse...

um blog q eu amei...
parabens! muito bom. :)
tenha um final de semana
para lá de especial.

Juliana Marchioretto disse...

Eu lembrei na hora da igreja perto de casa... e das velhinhas, todas ouriçadas....

adoro esses seus textos!
bjo

Jane Malaquias disse...

Eu lembrei da história de um cara que parecia com o Henry Fonda e adorava boquete de velhinhas.

Alexandre Loiola disse...

euheuehuehe muito bom cara, muito bom...
Mas os contos sangrentos e obscuros sao os meus preferidos...

ate+

Anônimo disse...

Fiquei por um suspiro tambem nesta rodada...

Anônimo disse...

Divirto-me com você e com suas histórias... ótima!

Beijinhos

Anônimo disse...

... Um corpo cantador, dançador, corredor e saltitante pelos labirintos de um dia de "bingo"... que aos poucos aflora para o que realmente vale... não só a tv.

Anônimo disse...

Muito bom...me diverti lendo.
Eli(Ane)

Giovani Iemini disse...

Gosto de histórias com velhinhos. Inclusive aquelas mais loucas.
Tenho umas tb.
[]s