28.4.07

Duque

Naquela manhã, o Duque tentou uma, duas vezes e caiu sobre as patas, vencido. Foi só então que o velho mendigo notou que havia algo errado com o cachorro.
     Debaixo do pêlo preto, os velhos ossos e os músculos cansados já não agüentavam o peso do corpo. Mas, alheios a isso, os olhos ainda brilhavam: o Duque morria, e parecia não se ressentir da morte.
     Idoso, o mendigo não tinha uma das pernas. Fugira do asilo onde fora abandonado pela família que não o podia —ou não queria— sustentar e, numa noite fria, encontrara o cachorro. Na verdade, o velho homem é que fora encontrado por ele: Duque, um anjo negro de quatro patas.
     Fosse aonde fosse, era seguido pelo cão. Podia não ganhar nem uma moeda durante todo o dia, mas o Duque estava ali. Podia não ter comida nenhuma para oferecer, mas o cão continuava ali. Nunca o animal lhe pedira nada, a não ser a felicidade de estar ali, ao lado do dono. E ali sempre estava, orgulhoso.
     Na rua, as pessoas afastavam-se do pobre homem por ser sujo, mas não o Duque. Chamavam-no vagabundo, mas não o Duque. Enxotavam-no das portas das lojas, mas não o Duque. Julgavam, maltratavam, ignoravam, xingavam, mas não o Duque, nunca o Duque. Os outros viam-no mendigo, velho, aleijado, doente, miserável, imprestável, mas aos olhos do cachorro, ele era um rei.
     Depois de algum tempo, sol já alto, o homem tomou suas muletas e saiu para ver se conseguia algo. Ganhou de uma senhora alguns centavos que lhe compraram dois pães. Voltou ao beco e deu um ao Duque.
     Passaram a tarde ali, em silêncio. O Duque não tentou mais levantar-se. Os outros mendigos, que tinham saído pela manhã, não apareceram durante todo o dia, talvez por respeito à dor dos dois. E nenhuma das pessoas que passou pareceu notar o que acontecia. Sozinhos, o velho e seu cachorro.
     Certa vez, quando dois pit bulls, instigados por um cretino mimado e inconseqüente, atacaram o velho, o Duque lançou-se numa batalha feroz. Arreganhou os dentes, rosnou, mordeu, latiu, lutou pelo seu velho dono. Combateu heroicamente as feras até que os outros mendigos viessem ajudar e então tombou, exausto. Recuperou-se rápido das feridas, mas passou a uivar de dor nas noites frias desde então.
     À noite, os outros mendigos vieram tomar seus lugares no beco atrás da igreja. Um deles trouxe ao velho um cachorro quente que ganhara de algum barraqueiro. Não disse nada sobre o Duque, não sabia lidar com isso, somente deu-lhe um tapinha nas costas.
     O ancião tomou o sanduíche e o estendeu ao cachorro. Nada. Tirou a salsicha e a colocou diante do focinho que respirava com dificuldade. Mas o Duque não se interessou, nem cheirou. O mendigo comeu, pois a fome era grande, não tivera mais nada além do pãozinho na hora do almoço.
     Então certificou-se de que nenhum dos outros o estava olhando e deu um beijo no companheiro. Sentiu os olhos aquecerem-se com as lágrimas. Velou o sono do cão até o ponto em que foi vencido pelo cansaço.
     Quando acordou no dia seguinte, o Duque já não estava mais lá.

21 comentários:

Daniel Avellar disse...

mais uma história triste..a história feliz foiçao legal!

Professor disse...

ei tive uma cachorra que fez isto... passou quinze anos com a gente e nunca fugiu... um dia ela simplesmente pulou o muro e foi embora morrer... já estava cega e meio surda... Muito bom mestre

Avid disse...

Triste...bastante real.
Bjs meus

Aline Ribeiro disse...

Agora fiquei com a pulga atrás da orelha, o final ficou parecendo o pequeno príncipe, o cão morreu, foi abduzido, ou só fingia q dormia? rs...

Isadora disse...

:'( ...

Késia Maximiano disse...

poxa q triste...

Malkaviano disse...

Sabe eu já tive um cachorro, e felizmente eu não o vi morrer. Ele foi roubado antes disso, pelo menos essa foi a explicação da minha mãe. Desde então nunca mais tive qualquer animal de estimação...

Anônimo disse...

Snif...snif....buááá mesmo. Que triste...o mais triste é a verdade escondida atrás do conto.
Eliane

Monize disse...

Ai que triste...
é horrível quando os bichinhos morrem mesmo... imagino quando as minhas gastarem...

Beijo!

Caroline disse...

Eles morrem, mas continuam amigos.

Como diz aquele chavão: quanto mais conheço as pessoas...

=]

É isso aí.

Utopia Urbana disse...

Fidelidade. Essa é a palavra.

Seu texto foi bastante elogiado lá no blog. Parabéns!

Cris... disse...

Bom, essa história me fez chorar, pq amo os cachorros e sei da fidelidade deles ao seu dono, seja que tipo de dono for... e esse, é o maior amor do mundo, amor que não separa, a não ser quando um deles se vai...

Amei...

Beijo, moço.

Mariliza Silva disse...

Deus te ouça! a radiografia é íntima precisando que seja realizada, externada. Por enquanto é só preparo da cama..rsrsrsrs

Um grande beijo

Mariliza

Anônimo disse...

Droga...

dän disse...

:( concordo com o julio...

raposoluana disse...

isso me fez chorar ;////////
eu nunca cheguei a ter cachorros, pq meu pai é um chato e não gosta, mas ja cheguei a ter um porquinho da índia, aquela coisa pequena nunca me abandonou, chegava da aula estava la na porta sempre me esperando, eu ficava no pc, ele ficava aqui do lado quietinho, dava uma volta, mas sempre voltava, até que um dia eu cheguei da aula e ele nao estava lá me esperando como todos os dias, vim ao pc, e ele nao estava aqui do lado, quando veio mamae me dá a noticia, desde então, nunca mais quis ter nenhum um passarinho, porque nenhum outro vai substituir o 'bizoinho' =/

:~~

:'(

Naeno disse...

São os amores. Cativados, detentores do que entregamos com o coração,como um patene, no entanto muitos não ficam, não querem a monotonia do amar sossegado, querem o vôo, até por lugares que não conhecem, e não sabem dos riscos mas preferem, às vezes assim.
Manter um amor nas nossas proximidades às vezes amar, entregar-se não é o necessário aos olhos dele.
E não se pode dizer tratar-se de um amor interesseiro, mas de um amor aventureiro, que não para nem com a queda pela força da gravidade.

Um abraço
Naeno

Eduardo Vilar disse...

um final dramático para uma personagem tão carismática... :)
gostei mesmo do nome Duque hehe
abraços!

A Autora disse...

que liiiindo. Singelo. Adorei...daria um roteiro de teatro bacana. Envolvente...e este inal hein???o cão morreu ou o mendigo pirou? (risos) icou intrigante...
beijos
Carol Montone

Anônimo disse...

Enquanto eu lia.. ao invés de tristeza me bateu um surto de alegria! Talvez por saber que o velho mendigo teve um amigo tão fiel. Coisa rara.

Abrçs.;

Jô Beckman disse...

não atualizou mais?
abraços...