12.9.07

Conto de fadas brasileiro

Era uma vez um país que vivia de brincadeira. Gostavam de uma brincadeira que só eles. E, depois do futebol, a brincadeira que eles mais gostavam era a da mentira. Era como se vivesse num eterno primeiro de abril, o país.
     A coisa toda era muito simples: ganhava quem mentisse mais. Mas não bastava só mentir, tinha de mentir e fazer os outros acreditarem. Como todo jogo, tinha lá uma meia dúzia de craques, macacos velhos já, não tremiam a voz e nem davam risada enquanto brincavam, juravam pela mãezinha que era tudo verdade.
     E, de tempos em tempos, o país se mobilizava em organizar os campeonatos. Era meio como nos jogos de colégio: concursos municipais, estaduais e um grande campeonato federal. Times eles tinham vários, e para todos os gostos, de todas as cores e com vários mascotes.
     E o povo tanto gostava da brincadeira que colocava os participantes para aparecer na tevê e no rádio, no melhor horário disponível, em todas as emissoras. E todo mundo parava de ver a novela só para ouvir, boquiaberto, as melhores mentiras do país.
     Alguns diziam:
     — Eu vou acabar com a fome neste país.
     E o povo aplaudia e ia ao delírio. E outros falavam:
     — Nenhuma criança vai ficar fora da escola.
     E o povo achava o máximo e corria e levava as crianças para ganharem beijos quando os concorrentes passeavam nas cidades.
     E, na brincadeira, se um prometia um milhão de alguma coisa, o outro corria para prometer dois e um outro ainda dizia que ele sozinho já tinha criado três. E um chamava o outro de mentiroso, mas o outro negava e jurava que isso era uma calúnia, minha Nossa Senhora. E tudo era só alegria. E o povo acreditava em tudo.
     Quando chegava a época do grande concurso, lá para outubro, o povo se perdia em meio a sorrisos e não sabia em que mentira acreditar, porque todas elas eram sedutoras. E o povo ganhava papéis e bandeiras e favores e até dentaduras porque nessa brincadeira, competir não valia nada, o que valia mesmo é ganhar.
     E então chegava o grande dia e o povo todo corria para escolher seus favoritos. O mais bonito, o mais inteligente, o mais simpático, cada um escolhia o seu. Chegaram até a criar um enorme sistema informatizado para saber o resultado no mesmo dia, tanta pressa que tinham para saber quem era o novo campeão.
     E com o resultado nas mãos, o povo corria e carregava os vencedores, entre vivas, para salinhas com secretária, ar condicionado e motorista. Porque, de tanto que o povo gostava da brincadeira, eram os vencedores que mandavam no país.
     E, de vez em quando, mesmo depois de acabado o campeonato, os esportistas apareciam na tevê e diziam alguma mentirinha, assim só para não perder a forma. Às vezes, algum acusava o outro de roubar na brincadeira e, oh!, o país parava para ver a briga dos sujeitos. Mas, no fim das contas, todo mundo se abraçava, pedia uma pizza pelo telefone e vivia feliz para sempre.

12 comentários:

Senhora disse...

Sinceramente, isso lembrou-me quando eu estava na sexta-série. Detalhe que estou com 24.
Aquela coisa de você escrever uma redação sobre o cenário político etc...
Podem me chamar de pessimista e adjetivos afins, mas desde a aquela época só piorou. Alguém acredita em Papai Noel?
Belo texto!

Tyler Bazz disse...

Que o bom deus me livre de um dia viver num país como esse....
:////

Unknown disse...

Pára o mundo que eu quero descer...!!!!

Mas, é isso... "Pão e Circo" para o povo.
Enquanto lamentamos, as "Vossas Excelências" usufruem os frutos dos campeonatos de mentiras.

Excelente texto !!!!

beijokinhas

Paulo Bono disse...

porra, Bruno. Não gosto de pensar nessas coisas.
grande abraço

Jana disse...

Tão bom se fosse ficção...

P.S: Juro que por um segundo, acreditei q vc fosse falar da Cinderela Baiana.

Mariliza Silva disse...

Te desejo uma Eurídice então! A amada do Orfeu!

Beijos e obrigada pelo lindo comentário

Mariliza

Camila Costa disse...

Belo texto Bruno...bom seria se o assunto em questão também fosse...
Canalhas mesmo!
Ética JÁ!

raposoluana disse...

Uns canalhas, mentirosos.

Isso me lembra poker.
O Brasil é um verdadeiro jogo de poker.

Anônimo disse...

“Conto de fadas” Bruno? Tem certeza? Isso está mais para contos de horror. Ninguém merece viu!

O conto ficou muito bom! Adorei as referências e comparações.

=)

Beijo

Anônimo disse...

Qualquer semelhança com o Brasil, não é mera coincidência..
ai, ai..

MaxReinert disse...

...infelizmente seu texto é ótimo!!!!

Eita... foda!!!!!

ex-amnésico disse...

Ah, mas o melhor é que nós gostamos...