1.10.08

O imortal

          Ser inmortal es baladí; menos el hombre, todas las
          criaturas lo son, pues ignoran la muerte; lo divino,
          lo terrible, lo incomprensible, es saberse inmortal.

          -Jorge Luis Borges

Ninguém sabe como começou sua busca incessante, a obsessão que o moveu através de desertos implacáveis e oceanos impassíveis. A poeira dos séculos encarregou-se de encobrir também o seu nome. Sabe-se somente —se é que se pode saber o que passa no mais íntimo de um Homem— da angústia imensa que tomou seu espírito quando se deparou com a única e brutal verdade da morte. Tomado pela impotência de quem não terá o tempo suficiente para realizar todos as ambições que ele invejou, na aurora da civilização, tudo quanto não morre jamais.
     Em tempos imemoriais ele prostrou-se diante de altares profanos, diante de deuses cujos nomes há muito desapareceram da face da Terra ele se curvou. Em Atlântida e Mu, por mil continentes perdidos ele procurou saciar sua sede. Na heroica epopeia dos argonautas, ele navegou movido por uma única motivação: tornar-se imortal.
     Em Tis, em Mênfis, em Heliópolis, em Tebas, em Tânis ele decepcionou-se ao presenciar poderosos faraós sucumbirem diante do destino inevitável de todo ser humano.
     Pelo emaranhado de becos da Babilônia pagã, mãe das adivinhações, ecoou sua pergunta, mas não houve o som da resposta. Por Akad, Lagash e Ur ele perambulou, às margens do Tigre e do Eufrates ele vagou, em Nínive ele amaldiçoou magos e cientistas.
     Em Babel, no labirinto caótico que ascendia numa espiral até as nuvens, na cacofonia de todas as nações da Terra, ele indagou em todas as línguas conhecidas, mas não encontrou quem lhe desse resposta.
     Em vão praticou com os sete sábios da Grécia, em vão vasculhou na luminosa Atenas, na orgulhosa Esparta, na rica Corinto. Em vão fez oferendas no oráculo em Delfos. Em vão procurou entre os pergaminhos de Alexandria.
     Através do deserto, ele seguiu os grandes patriarcas do novo deus. Na terra prometida, ao indagando aos grandes profetas, ele foi somente lembrado do fim inevitável. Nem a sabedoria do Eclesiastes pôde lhe confortar.
     Nos reinos remotos do Sul, em Sabá, do alto de seu trono num palácio de cristal, cercada por todas as riquezas da Humanidade, a rainha também nada soube responder. Nos poderosos impérios no Oriente, diante de deuses pagãos, purificando-se nos rios sagrados da Índia ele também nada encontrou.
     Nas fronteiras distantes do mundo, teve ele com o mais sábio dos homens. Montado no seu búfalo, sumindo em direção ao oeste, o ancião deixou-lhe apenas mais enigmas. Ao longo da Rota da Seda encontrou-se com outros viajantes, mas nenhum à altura.
     No esplendor de Roma, a cidade eterna, debateu com filósofos, indagou aos anciãos, implorou aos césares. Pelas sete colinas, no elevado fórum, no nobre senado, nos imundos prostíbulos. Em vão.
     Sob as estrelas de Ynis Mon, entre sábios e loucos, o viajante desfiou verso a verso todas as canções dos antigos deuses da natureza. Mas nem druida nem bardo puderam lhe ajudar. Sob a neve das terras do Norte, o peregrino aprendeu as tradições dos deuses beligerantes do Norte. Também lá não houve quem desvendasse o mistério.
     Diante do grande Khan, ele contou de sua longa jornada ao veneziano, maior viajante dos Homens. Em Xi'an, com o imperador, cercado por um exército incontável, ele compartilhou sua frustração.
     Vagou por regiões esquecidas dos homens, além dos limites do mundo, até deparar-se com a mística Shangri-lá, onde, ajoelhado diante dos seus veneráveis anciãos, ele implorou por ajuda.
     Em Bagdá, em Constantinopla, em Fez, no Cairo, em Samarcanda, por todas as grandiosas cidades erguidas pelo gênio humano, nas alturas dos minaretes, nas profundezas das catacumbas ecoou sua pergunta, sem jamais encontrar resposta.
     Navegando pelo oceano além do fim do mundo, ele enfrentou tormentas atrás de seu único propósito. No alto de mortíferas cordilheiras, entre as brumas de lagos perto do céu, ele procurou. Eldorado, Tiwanaku, Cuzco, Tenochtitlán ofereceram promessas, mas também elas tombaram com o passar dos séculos.
     O mundo iluminou-se com as maravilhosas ideias dos grandes gênios do Renascimento, mas sua esperança foi vã. Vieram também os alquimistas, em vão. Nas cartas de tarot, nas estrelas insondáveis, também nada pôde ele descobrir.
     Evoluíram as ciências, o Homem dominou todo o planeta, ganhou o espaço, mas nem todo o conhecimento, nem todas as técnicas o puderam responder.
     Por fim, não houve lugar debaixo do Sol onde ele não houvesse indagado, não houve civilização que não tivesse visitado, não houve povo de quem ele não houvesse recebido negativas, não houve biblioteca onde não houvesse vasculhado, não houve sábio que com quem ele não houvesse discutido.
     Absolutamente exausto, tentou então seu último passo: o Google. Por centenas de milhares de páginas procurou, mas em nenhuma delas conseguiu seu intento. Arrasado, constatou que, se nem o Google sabe, ninguém o poderia responder mesmo.
     Só então foi que se deu conta: tão obcecado estava na sua busca que se havia esquecido de morrer. Caiu para um dos lados e expirou.

5 comentários:

R. O. disse...

Realmente se não encontrar no nosso "santo" google, se mata!

Legal esta ferramenta do blogger para mostrar quando um blog é atualizado....adorei!

E não, você absolutamente não é um fiasco.

bjos.

Stephanie disse...

fui lendo e pensando que o sujeito foi de um lado pro outro, seguindo eras, tentando descobrir como escapar e que, em algum momento, ele fosse dar de cara com a própria morte

essa de 'esquecer de morrer' foi ótima! esqueceu de viver também, porque procurou, perguntou, mas e o caos e os planos, as paixões e manias e conquistas de que se faz biografia, hein?

beijo

Marcio Sarge disse...

Ao menos viveu pra ver o Google, apesar que pra ele não adiantou... o foda que agora que ele morreu eu fiquei sem saber o que procurava, vou ter que ver no Google mesmo.

até

Eli Kuhnen disse...

ahhh brunoooo
o que ele procurava????
hahahah

Magnum Opus disse...

O Homem precisa aprender a comer Mc Fritas e assim, quem sabe, receber o dom da imortalidade...