31.3.09

Conversa de adulto

Quem diria que um dia eu me renderia à sabedoria do Pequeno príncipe, eu, que achava tão piegas. Redondamente enganado.
     Cresci e a vida ficou chata. Aliás, corrijo: não foi a vida –que eu absolutamente não tenho do que reclamar—, foram as conversas que ficaram chatas. Lembro que quando tinha lá meus quatro ou cinco anos de idade, conhecia amigos com quase sempre as mesmas perguntas básicas.
     — Qual sua comida preferida?
     — Você gosta de andar de bicicleta?
     — Quantos irmãos você tem?
     — Qual é o nome da sua mãe?
     — Você tem cachorro?
     Depois de um questionário assim, eu já conhecia tudo o que precisava sobre o sujeito. Já sabia se era confiável ou não, se podia entrar na brincadeira ou não. Se podia pegar emprestado meus bonecos do He-Man e dos Thundercats ou não. Essas coisas.
     Abre parênteses, que um flash de memória me veio agora. Morena, charmosa, olhos grandes, quase selvagens. Estávamos os dois sentados displicentemente numa escada e o papo girou basicamente em torno de nossos pontos em comum: não gostávamos de remédio, tínhamos irmãos mais novos e ambos tínhamos quatro anos. Acho que foi minha primeira conversa mais longa e aí é que começou a derrocada. Fecha parênteses.
     Hoje em dia as coisas são diferentes, não posso mais fazer isso. A não ser que queira, deliberadamente, que as pessoas pensem que eu sou autista –o que pode até ser útil em certas ocasiões. Como quero que me levem a sério, eu tenho agora que conversar assim:
     — Parece que pegou mal o Papa ter readmitido o tal do bispo lá.
     — E a taxa de juro que o Copom quer propor? Ridículo, impossível enfrentarmos a crise assim.
     — Diz que a Companhia das Letras vai aproveitar o embalo do Nobel e publicar toda a obra do Le Clézio.
     — Não vejo com bons olhos esse novo premiê de Israel...
     Não se pode mais perguntar as coisas que realmente eram legais de se saber. Tente só perguntar para um marmanjo que chega no primeiro dia no setor se ele tem algum bonequinho do Comandos em Ação, ou contar para o recrutador daquela vaga de emprego que você sabe tudo sobre Caverna do dragão. E vá perguntar para uma mulher quantos anos ela tem!
     É fogo.

10 comentários:

ex-amnésico disse...

Odeio ter de dizer isso, mas depois de algumas doses (special thanks to Humphrey Bogart), esses papos até rolam; duro é lembrar depois...

Não que a ressaca valha a pena, verdade seja dita.


Mas é bom ver o Pequeno Príncipe reabilitado!

Abraço!

Julia disse...

Essa história de que vc tem que estar atualizados com as coisas do mundo e ter uma opinião sobre elas pra ter assunto, comigo não funciona muito. Não acho que seja e nem tomo pra mim como "obrigação social". Além disso, eu gosto de conhecer AS PESSOAS. Continuo com as perguntas básicas de criança.
Mas papo cabeça nem sempre é chato. Amo conversar sobre Literatura, por exemplo, faço isso com prazer e imagino que vc tbm. O exagero e a hipocrisia de só conversar coisas assim pra demonstrar alguma coisa é que não é legal, do mesmo jeito que só ficar nas perguntas básicas. A própria convivência pede que se fale de outros assuntos.
Acho que o que importa mesmo é que as conversas sejam naturais.

Opa, falei muito!

p.s. Sinta-se à vontade pra roubar a ideia do título.

Mariana disse...

É fogo, realmente!

bjs

Magnum Opus disse...

– Que carro seu pai tem? Essa era a pergunta básica...

Álvaro disse...

não tenho um comentário bonitinho, mas um pertinente: será que pequeno vc também era tão chato(no bom sentido) com suas coisas???

Anônimo disse...

Quando era pequeno, eu era MAIS chato com as minhas coisas, amiguinho.

Isabela Quintão disse...

Isso é porque você não fez faculdade de Belas Artes... a conversa SEMPRE acaba em desenho animado, Cabral (não o Pedro, o bar do outro lado da avenida) e Bruce Lee.


(que bom que voltou ;)...)

Stephanie disse...

então, eu tenho 24 anos, um poodle caramelo chamado Léo, adoro bolo de chocolate e de cenoure. Tenho uma irmã caçula e gosto de ir à praia. Tive uma boneca da Chetara, uma She-ra com que veio com o Ventania e uma Felina - mas hoje em dia eu gotos mais é de jogar rpg ou videogame. E até hoje gosto de filmes de animação, apesar de muita gente grande achar que isso é coisa pra criança...

você quer ser meu amigo?
(ops, que lapso você já é meu amigo, hahahahaha)

que bom ver você de volta as atividades por aqui - e passando pra me visitar \o/

beijos

Paulo Bono disse...

Bruno.
Sou conhecido como abestalhado. justamente porque só gosto de conversar como antigamente.

abraço

Tyler Bazz disse...

Por essas e outras que eu PAREI!
Hoje em dia, só converso depois de meia duzia de cervejas...