— No meu tempo, quem convidava oferecia comida e bebida. Agora a gente tem que pagar pra ir na festa do sujeito...
Seu Glicério, contrariado, dirigia, sexta-feira à noite, em direção a um restaurante. Rodízio de pizza, galeto e batata suíça, sushibar, massas... uma Disneylândia gastronômica, como ele definiu, já pensando na úlcera que, na certa, ia acordar atacada dia seguinte por causa da misturança.
— Eu gosto é da cantina do Gennaro, que é só chegar, pedir um espaguete e pronto...
— É aniversário do nosso afilhado, Glicério. A Luci e o Deodato vão estar lá. Pega mal se a gente não for.
Nisso ele suspirou, pensando de novo na úlcera, que se não acordasse atacada pela misturança, seria pelas piadas do Deodato. Já dona Eulália estava empolgada com a ideia, gosta de novos ares, diz que se sente cada vez mais jovem. Mas nosso amigo é honesto em dizer que se sente cada dia mais velho. É um sujeito realista, o bom e velho Glicério.
Chegaram na porta do lugar: não havia onde estacionar na rua. Uma, duas voltas na quadra e nada. Nosso resignado amigo estacionou, então, com um outro suspiro, em frente ao vallet:
— Dez reais, adiantado.
Dez reais? Adiantado? Antes que a pressão do marido suba mais por causa da justa indignação que agora fervia nas veias, dona Eulália, que já sabe como agir em casos de emergência, tirou uma nota de dez da carteira de bolinha, deu ao rapaz e arrastou um resignado Glicério —que recomendou alguns cuidados ao manobrista– para dentro do lugar.
De fato, o Deodato e a Luci estavam lá. Num gesto de gentileza, inclusive, o compadre deixara a cadeira ao seu lado, na ponta da mesa, reservada para seu Glicério. Nosso herói tentou até fingir que não tinha visto e sentar do outro lado da mesa, mas não teve jeito, dona Eulália foi direto para lá.
— Grande Glicério! Cada vez mais em forma, hein? Se parar assim com os braços pra baixo fica em forma de um bujão de gás perfeito!
Outro suspiro. Já que estava ali mesmo, seu Glicério decidiu pedir uma bebidinha, para ajudar a descer melhor as piadas do Deodato. Chamou o garçom:
— Uma Coca light pra ela e uma caipirinha pra mim.
— Vodka ou saquê? Com morango, jabuticaba...
— Não, não, guri. Eu quero uma caipirinha. Cai-pi-ri-nha, de cachaça e limão. Tem?
— Não, senhor, hoje eu vou ter só com kiwi, lichia...
— Então não tem caipirinha.
— Mas...
— Pense comigo: caipirinha tem quatro ingredientes: cachaça, limão, açúcar e gelo, certo? Aí vocês me trocam cachaça por vodka, limão por essas frutas de fresco, açúcar por adoçante... De caipirinha aí só tem o gelo!
E o Deodato:
— Quem senta na ponta paga a conta, hein, compadre?
Suspiro. Isso porque ele ainda nem tinha visto os sabores de pizza que estavam por vir.
11 comentários:
De fuder!
Eu sou o Glicério!
Eu sou o Glicério!
abraço, Bruno
Seu Glicério é ídolo demais!!!
Sempre reclamo dessas fake caipirinhas aí.. rolou uma identificação hehehe
[ok, confesso, tenho 80 anos]
Salve seu Glicério!
Meu avô diz a mesma coisa que o seu glicério no primeiro travessão,
e no penúltimo também.
;D
eu até ataco de uma variações tipo lima da pérsia e frutas vermelhas de vem em quando, mas sei que caipirinha, caipirinha mesmo é no bom e velho esquema do seu Glicério.
aliás, acho engraçadíssimo quando peço caipirinha e o garçon pergunta de que? porque só pode mesmo ser limão, né - quando é de outra coisa, a gente avisa: eu quero cachaça, gelo, açúcar e carambola.
e além de nem pensar nos estranhos sabores que surgem nesses rodízios de pizza - acho que ainda bem que não perguntaram ao seu Glicério se ele queria adoçante na caipiríssima dele, nossa, isso seria um erro fatal.
beijo!
"Sabores" de pizza, como se fossem esses sorvetes de água colorida! E quando eu chamo a atenção pra isso, dizem que eu "vivo no passado". Sem falar da caipirinha (se bem que já vi dessas feitas com Cinzano doce, maracujá e bagaceira, argh!)
Quem me dera vir numa época menos pior que a de hoje...
Cunhado, realmente, não é parente: é praga. Mas (caso pessoal, entenda) nora também. Fazer o que, é parte da vida, como irmãos, mãe, pai, etc ...
Você e seu Glicério acordaram no século errado: venham para o XVIII comigo e mudemos a História (se eles podem, porque nós não?)
Ops! Isso soou comunista, não? Desculpe, seu Glicério: reminiscências de juventude...
p.s.: Não sei se estou de volta, mas agradeço do fundo do coração (que não sei se tenho) por sua apreciação das bobagens que escrevo e por você voltar para ver se ainda estou vivo: não estou, não de verdade. Mas, até aí, não sei se estive esses dois anos de inutilidade ou nos quarenta e três precedentes....
Bem, sigamos em frente e vejamos o que o amanhã nos reserva.
É bom voltar a te ler! Um abraço "meio mnemônico".
mudanças desse nosso novo mundo super moderno.
De kiwi é horrível mesmo!!
Imagina de Lichia... ahaha
Muito bom esse Seu Glicério :)
Tem que falar pro Seu Glicério toma cuidado nesses lugares que hoje em dia tem muita Coca cola por aí que é Fanta...
Há clássicos! Seu Glicério apesar de parecer um tanto rabugento sabe bem reconhecer o que é bom! Uma pena ele ainda se contaminar com o azedume de um limão.
Gostei do texto.... muito bem articulado e resolve um problema que parecia bem pequeno ... e, em contra-partida deixa outros mais relevantes em suspenso.
Até,
Bel.
pior que é verdade, da caipirinha sobra só o gelo, kkkkk, adorei
beijos, querido
MM.
Aguenta, Glicério... esse Glicério é tal qual eu.
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