11.3.10

Viola

Debruçado na janela do apartamento, ele olhou para a viola, largada num canto, atrás da pilha de antigos livros da faculdade.
     Às vezes tinha essas saudades. Saudades da terra onde nasceu, dos campos onde cresceu, da casa onde ainda –se Deus quiser– voltaria para morrer. Saudade dos pomares, das plantações, dos pastos, dos riachos. Do canto do galo, do grito do quero-quero, do mugido, do relincho, do cacarejo, do pio. Do canto próximo de um sabiá, do som distante de um berrante.
     Saudades dos dias, mas principalmente saudades das noites.
     Meses atrás, um telefonema o avisara da morte do pai. O dono da viola. O pai, que carregava a bandeira todos os anos na Festa do Divino. O pai que, todas as noites, tocava antes de deitar-se e que chorou de orgulho quando ouviu os primeiros acordes nascerem das mãos do filho. O pai, sábio de uma sabedoria que não se ensina na escola, que o incentivara a buscar estudo na cidade grande.
     De tudo, do que mais ele sentia falta era das noites. Na cidade não se pode ver as estrelas porque as luzes dos homens ofuscaram a luz do céu. Vivem todos tão ocupados aqui em baixo, tão preocupados com aqui em baixo que esqueceram que existe um lá em cima.
     Quando era pequeno, ele se deitava de barriga para cima no terreiro e via a Lua e todas aquelas estrelas. Ficava lá, com as mãos entrelaçadas atrás da cabeça, ouvindo a viola trinar na varanda até que a mãe chamasse para dentro. No dia seguinte, o trabalho era duro: nem tudo na vida é olhar estrelas. Os dias eram difíceis, mas as noites eram gentis e ele tinha saudades delas.
     Então ele saiu da janela. Pegou a viola há tempo tempo encostada e tocou, tocou como se morasse ainda na roça, onde não há vizinhos que reclamem do barulho a essas horas da noite. Uma lágrima correu quando ele viu que ainda sabia como se faz.
     E os vizinhos reclamaram, mas só porque não sabem da tristeza que lhe dá a lua cheia.

7 comentários:

Barbarella disse...

Sinto falta de muitas coisas também, só me falta a viola...

**

Magnum Opus disse...

Não digo no campo, mas eu acho que trocaria a vida na cidade grande por uma vida interiorana...

Anônimo disse...

Tão lindo...
Sinto falta daquilo que nunca vivi...e sempre desejei passar uma noite olhando as estrelas, sem as luzes da cidade...
Tenho um violão guardado há 6 anos...apenas olho para ele, todos os dias...mas não tenho coragem suficiente para voltar a tocar...

Nelson Rosa Junior disse...

Realidade de tantos

Varotto disse...

Cara, muito bonito mesmo!

P.S.: R.! Você (quase) disfarçada por aqui?! Por que tão distante?

Luara Quaresma disse...

Voce escreve muito bem (:

Elga Arantes disse...

Tenho saudades do que não vivi...

Tenho saudades de tocar violão...