Chovia.
Chovia, e enquanto chovia lá fora, ali dentro, numa mesa no canto da cafeteria, a mocinha de lenço azul se aquecia com um capuccino caprichado no creme. Em volta, casais, amigos, pessoal que acabou de sair da aula de francês. Só ela sozinha.
Com cuidado, colocou a xícara de volta no pires e puxou para mais perto o celular que já estava ali. Começou a digitar com um sorrisinho no rosto.
É uma mocinha de lenço azul daquelas que abrem um sorrisinho secreto enquanto seguram a xícara quente com as duas mãos, que suspiram satisfeitas quando dão uma colherada no doce. Que se aconchegam na poltrona confortável do cinema. Que fecham os olhos para respirar o perfume da dama da noite quando, voltando para casa à noite, passam em frente ao jardim da vizinha. "Adorável", acho que é assim que se chama.
Sem muita pressa e ainda com o sorrisinho no rosto, terminou a mensagem: "oi, tô aqui no café tomando um capuccino delicinha" –ou seja lá que linguajar mocinhas adoráveis de lenço azul costumam usar–, apertou o botão vermelho do aparelho e mandou para ninguém.
Para ninguém. Apagou.
E não foi a primeira vez que fez isso. Nunca chegou a fingir falar com alguém do outro lado; só, volta e meia, dá de escrever essas mensagens. Tem vergonha de estar sozinha, quer que os outros pensem que logo mais ela vai encontrar amigas ou namorado, que aquela mesa solitária é só provisória até a próxima mesa cheia.
Porque ela sai um bocado sozinha, não é dessas mocinhas de lenço azul que ficam em casa assistindo comédia romântica e esperando príncipe bater na porta, também não é das que esperam os eternos "um dia a gente combina qualquer coisa" das amigas. Vai ao cinema, toma café, vê exposições, até janta de vez em quando. E, no fundo, não vê problema nenhum nisso –se bem que, no fundo de verdade, queria mesmo que o barista esticasse um guardanapo com um número e um "pode mandar as mensagens para mim".
Enfim, sai sozinha mas tem vergonha de que as pessoas pensem que ela é sozinha, uma coisa difícil de explicar, e daí as mensagens.
"Tô aqui matando tempo na livraria enquanto a chuva não diminui". "Saí do restaurante e vou aproveitar pra ver uns sapatos no shopping". Digita a mensagem, manda para ninguém e espera um pouco. Então pega o celular, finge que lê uma resposta, dá um sorriso e digita. Para ninguém.
Então guardou o celular com outro sorriso, terminou o capuccino e saiu. Na mesa ao lado, repleta de gente, uma mocinha sem lenço tentou –e não conseguiu– disfarçar a curiosidade.
Não chovia mais e a mocinha de lenço azul saiu para um próximo passeio, talvez.
Quem a vir por aí, já sabe.
10 comentários:
Pior do que sozinho é quando você está numa cafeteria da universidade com dois pedaços de bolo e 2 expressos enquanto espera o amigo atrasado que pediu para você fazer o pedido dele enquanto ele devolvia um livro.
Eu aposto que o pessoal passava e pensava que eu tinha uma amigo imaginário... Pelo menos foi isso que eu imaginei que as pessoas pensavam, kkkk
Essa menina deve ter um abraço muito bom.
Só passei pra dizer q sou sua fã número 1
Não tem aquela frase que diz "antes só do que mal acompanhado"? As vezes é melhor ter amiguinhos imaginários...
Belíssimo conto! Que moça distinta, mas o final ficou meio nebuloso. Não entendi a função da moça sem lenço. Vai ver eu que não sei ler.
Abs
Eu achei muito legal. E me fez pensar: por que diabos as pessoas ainda acreditam que devem estar com alguém? Acho isso tão sem sentido...
Abraço!
Que texto sensível e lindo! Eu detesto ficar sozinha em algum lugar cheio de gente em grupos. Nessas horas, super pego meu celular e mando mensagens pra ninguém. Mas, por sorte, esses momentos para mim são bem raros :)
Beijos!
Eu acho a solidão até que bem confortável, pra falar a verdade. Sou feito ela, mas sem as mensagens pra ninguém e sem o lenço azul. Como disseram aí em cima, tem vezes que é melhor estar só.
Bjos, menino do acepipes sumido. Já está chegando o ano de voltar a me visitar no Chá? rsrsrs
E eis que eu sou a mocinha de lenço azul.
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