31.10.11

Uns poucos livrinhos

(os livros e eu, cap. i )

O tempo passou e deixou a impressão de que toda tarde naquele apartamento era ensolarada e de que todo dia tínhamos bolo formigueiro saindo do forno. Minha caneca era verde, a do meu irmão do meio, azul. O mais novo ainda tomava mamadeira, mas também ganhou uma igual —marrom— quando cresceu o bastante. E éramos felizes.
     Lembro da minha impaciência naquelas férias que, pareciam, não tinham mais fim. Parecia não chegar nunca o dia de estrear meu uniforme amarelo e, finalmente, aprender a ler. Minha mãe sentava-se no sofá, colocava um livro entre nós e lia, apontando paciente as ilustrações.
     Livros são caros, os tempos não eram fáceis, e então tínhamos só uns poucos. Uns poucos e abençoados livrinhos que meu pai comprava com o salário sacrificado de três empregos. Uns poucos e abençoados que minha mãe não se importava de ler e reler para um menino faminto de histórias.
     Às vezes uma panela no fogo ou o choro de um outro filho a obrigavam a apressar a coisa e pular uma parte ou outra. Mas não adiantava: de tanto ouvir aquelas mesmas histórias, eu já sabia cada uma delas de cor. Podia recitar de memória cada página, cada frase. Então, eu a fazia parar, voltava a página, apontava e "lia" o que ela havia esquecido. Paciência de mãe é uma coisa maravilhosa.
     E talvez isso resuma meu amor aos livros: eu os lia antes de saber ler.
     À noite, meu pai chegava e, no pé da cama, contava aventuras para meus irmãos e eu. E, olha, está para nascer alguém que imite melhor o urso Baloo.


* * *
Faz um tempo tive essa ideia: uma série de posts sobre os livros da minha vida. Não que interesse a alguém, mas vai que numa dessas... Segunda-feira, então, de quinze em quinze dias, será dia de livro aqui no Acepipes.

15 comentários:

Anônimo disse...

Ontem a tarde teve bolo formigueiro, todos os filhos em minha casa. O tempo passou e agora sou eu quem espera pelas suas histórias. É verdade você sabia todas ela de cor, só esqueceu de dizer o cuidado que tinha para não estragar os livros. Todos aqueles momentos jamais irei esquecer, pois momentos de muito amor.
Izabel

Luciana Marques disse...

Oi...

Amei seu blog. Parabéns... Ganhou uma nova leitora assídua.

Natalia Máximo disse...

Ebaa, amei a ideia, Bruno! Agradeça seus pais por mim pelo seu amor pelos livros; senão, eu teria uma importantíssima inspiração a menos (:

littlemarininha disse...

Abri um sorriso bobo e cheio de saudade quando li "bolo de formigueiro" e "urso Baloo" haha. Linda ideia, vou acompanhar!

Anônimo disse...

Que fantástica a sua ideia! Eu nunca comentei antes, é a primeira vez e não foi por falta de motivação, pois acho seus textos, sua escrita, fantásticos. Mas me identifiquei tanto com a personagem do texto que precisei comentar uma coisa:

Também tenho dois irmãos. Os livros que meu pai compravam também eram com o salário que ele se sacrificava para conseguir. Ele não fazia imitações do urso Baloo, mas minha mãe, quando ia me contar estórias para eu dormir, eu nunca de fato dormia: ela sentava-se na cadeira e lia o livro inteiro, quase dormindo e eu com os olhos esbugalhados, cutucando-a para acordá-la toda vez que ela cochilava durante a leitura.

Crispi. disse...

Adorei saber um pouco mais da sua história. A maneira que você conta é muito graciosa, parece até mesmo que fui eu que vivi isso.
Beijos!

Kakau® disse...

Fantástica ideia!!!

Lendo seu post, lembrei também das vezes em que eu (com 4 anos) 'lia' livros pra meu irmão de apenas 1 ano.

E ele ria e batia palminhas ao me escutar.. rs

Assim como você, sempre amei livros, mesmo antes de saber decifrar aquele amontoado de letras....

Leonardo Xavier disse...

Eu acho legal essa ânsia de aprender a ler. Eu sentia o mesmo, quando era pequeno. Meus pais liam para mim e eu sempre pensava que se eu pudesse ler, eu teria a acesso a todas as estórias na hora que eu bem entendesse.

Magnum Opus disse...

Imagino que se não fossem esses livrinhos não existiria o acepipes escritos...

disse...

Oie,
Sua história me fez voltar ao passado. Eu também tenho dois irmãos, sou a mais "velha", só que aqui era a mãe que trabalhava pra comprar os livros e ainda lia pra gente. Eu também "lia" antes de entender as letras. Hoje faço isso com minha sobrinha, mas mudo algum detalhe (tipo chapeuzinho amarelo, rs). Só que ela fala pra mãe que estou lendo errado. Falta um pouco de imaginação nessa garotada, eles veem tanta coisa na tv e Dvd, esquecem de sonhar.
Estarei acompanhando.
Abraço

Gabi disse...

Me encantei com o blog! Textos maravilhosos! Tá de parabéns!

Lari Bohnenberger disse...

Excelente ideia, Bruno! Coisa boa essas lembranças, né? Meus pais sempre leram livros pra mim, algumas histórias eles contavam sem necessidade de lê-las, mas a verdade é que eu cresci em uma casa cheia de livros. O que mais tem nos álbuns de fotografias aqui em casa são fotos minhas e dos meus irmãos, picorruchos, com 2, 3 aninhos, segurando livros de 'adultos' nas mãos e tentando decifrar todos aqueles 'códigos' que ali se encontravam.

Bjs!

Marina disse...

Ah! Ainda sei muito dessas historinhas de cor. Difícil esquecer essas coisas.

Bela idéia, Bruno. Vou acompanhar.

GIovana disse...

Vou aguardar ansiosa todas as segundas!!! Giovana

Anônimo disse...

Oi Bruno...
Prazer, meu nome é camila, o primeiro texto seu que eu li foi uma versão do namore meninas que leêm, depois comecei a ler seu blog e adorei, essa série de posts sobre os livros que marcaram a sua vida, achei o máximo e queria te propor uma parceria, o que acha de escrevermos algo juntos, acharmos algum livro em comum, ou escolhermos um livro e lermos pro post, enfim acho que ia ser legal e também mostraria o jeito diferente ou igual do pensamento de um homem e de uma mulher.
Aguardo sua resposta, se quiser visitar meu blog: www.bonsventos-semprechegam.blogspot.com e a propósito, adoro ler e escrever, por acaso faço jornalismo