A Matilde era famosa no condomínio. Não pelos motivos comuns de fama em condomínios, do tipo ser a síndica que cuida da vida de todo mundo, a solteirona dona de dezessete gatos ou a nova siliconada do pedaço. Era famosa porque cantava no chuveiro.
A engenharia do prédio ajudava: as janelas dos banheiros davam todas para um fosso central, que ainda que fosse projetado por um técnico em som não teria uma acústica tão perfeita. E a Matilde cantava de tudo —talvez aí estivesse o segredo do seu sucesso condominial—, desde os clássicos dos programas de calouros:
— Os sonhos mais lindos sonhei, de quimeras mil um castelo ergui...
Até os sucessos do momento:
— Abalou, abalou, sacudiu, balançou, coração é só felicidade...
E atacava também em inglês, pop:
— Like a virgin, touched by the very first time...
E francês, romântica:
— Non, rien de rien, non, je non regrette rien...
Aos domingos, quando voltava da missa, o repertório era religioso:
— Segura na mão de Deus, segura na mão de Deus, segura na mão de Deus e vai...
E em épocas especiais, relembrava das temáticas:
— Papai Noel, vê se você tem a felicidade pra você me dar...
A voz da Matilde subia desde o terceiro andar, cristalina, agradando os ouvidos de todo mundo —até o seu Glicério gostava. Corria nos elevadores a piadinha de converter uma parte da taxa de condomínio em couvert artístico para ela.
Coincidência do destino, um dia mudou para o apartamento de cima um produtor musical e, belo dia, calhou de o homem tomar banho na mesma hora que a Matilde. A voz subiu, poderosa, pelo fosso:
— Como uma deusa, você me mantém...
O produtor ficou arrepiado. A dona daquela voz era a revelação do ano! Desceu, enrolado em toalhas mesmo, para ajoelhar-se diante da porta do 305. Implorou que ela fosse com ele, no mesmo dia, para o estúdio.
Chegando lá, a secretária, avisada por telefone da nova cantora que chegaria, já tinha tudo preparado. Receberam a Matilde com flores —tudo para agradar um novo artista nessa época de MP3 e recessão das gravadoras. Foi apresentada a toda a equipe e, o produtor estava ansiosíssimo, carregada direto para o estúdio.
Foi um desastre.
A voz não saiu, não tinha afinação, tempo, nada. A interpretação não tinha sentimento nenhum, nem o timbre parecia o mesmo. Colocassem um gato para miar, o resultado seria melhor. A Matilde voltou para casa arrasada.
O produtor chegou a duvidar que fosse ela mesmo que estava cantando horas atrás. Mas, no dia seguinte, lá estava a mesma voz —"é pau, é pedra, é o fim do caminho..."—, vinda da janelinha do banheiro da Matilde. E no outro, e no outro, e em todos os outros. Tentaram de novo, talvez fosse só nervosismo, mas no estúdio que é bom, nada de ela cantar.
Depois de várias tentativas, um estagiário teve a idéia luminosa: encontraram uma solução, mas os técnicos de som tiveram que se virar para tirar da gravação o barulho do chuveiro que fora improvisado em pleno estúdio. Aí sim, debaixo da água morninha, a Matilde cantou, e como cantou. De roupa de banho, claro, que ela é moça de família.
E, como não podia deixar de ser nesse caso, o disco vendeu como água. A correria agora é dos apresentadores de programa de televisão, todos instalando chuveiros no palco para receber nossa Matilde, a voz dos banheiros do Brasil.
20 comentários:
Só para deixar registrado que adorei seu blog, dentre outras coisas a estética, principalmente a cor e o cabeçalho.
Estou correndo agora, mas assim que tiver um tempo maior voltarei para ler com maior atenção e comentar os posts.
Haha, Matilde? Adorei! :P
Muito bom!
Gostei de verdade. E sei bem como é isso, cantar no chuveiro faz bem!
E obrigada pelos comentarios!
Adorei MAtilde....
eu conheço uma Matilde... eu chamo ela de mãe....
beijos
Êêêê Matilde.. deve ter um mar de fãs.. uhuhuhuh
o/
hahahahah
me divirto com essas suas histórias "absurdas" heheh
abraços!
Por mais absurda que pareça a história, acredito no sucesso de Maltide, moro em um décimo andar com um fosso central de acústica incrível, por aqui não saem somente grandes cantores de chuveiro, como tb aspirantes a comediantes, fugurantes do programa do Ratinho e atrizes do teste de fidelidade, certamente, artístas de carater e potencial, uma pena mesmo esses fossos não receberem uma atenção especial da mídia ! ;)
um beijinho!!!
Ahahahah adorei!
Aliás, fui ler este texto justo hoje que eu estava preparada para uma balada karaokê, mas não vai rolar! Acho que vou tomar meu banho agora. Só antes deixa eu fazer uma lista do repertório.
Veja, bem, não estou me comparando à Matilde. Não acredito que nenhum produtor musical jamais me convidaria pra gravar nada, mas é que adoro cantar!
Bjs!
kkkkkkk leia josefina, a cantora, do kafka!
hahahahahahaha...
ótimo!!!
e um 'viva' pras cantoras de chuveiro por aí! 8-)
um dia vão me achar, você vai ver! um dia vão me descobrir e eu vou virar estrela!
detalhe: de cinema também, pq eu canto, danço, sapateio e ATUO no banheiro! ;)
por pouco uma carreira tão promissora não desceu pelo ralo.
e por falar no seu Glicério, como é que anda o velho?
abraço, bruno.
hahahaha, ééé nada como uma acústica de banheiro pra espantar os males!
bom mesmo vai ser o figurino pra Matilde se apresentar nos boxes adaptados pros palcos! =D
óh, está respondida sua perguntinha, lá no blog.
beijo
acho que todo mundo é um pouco matilde, a diferença é se a acústica do banheiro colabora ou não... a minha, por exemplo, não colabora de jeito nenhum.
Adorei os acepipes e fui me enfiar pelas desventuras de Seu Glicério e adorei mais ainda! Parabéns!
Oi amado!
Pois é, querido.. as coisas não estavam bem... mas estão melhorando.
As nuvens negras, já estão se dissipando.
Obrigada pelas palavras de força e carinho, tá.
Te gosto um pedação.
Beijokinhas
Vassourando
PS.: O Vassourando tá de cara nova... para renovar as energias.
*
muito prazer matilde!
eu imprimi esse texto e levei pra faculdade...
a galera da minha sala já conhece a matilde! rsrsrs... sou fã dela...
abraçoooo
Excêntrica a moça, vai fzr um mega sucesso! rs...
bjm
Matilde.. Nova sensação do momento... A nova musa do "Tchá, Tchá, Tchá".
Todo o sucesso do mundo pra ela.
Será que ela consegue cantar sob a chuva?
Té+ :)
O nome da minha nona era Matilde, talvez por isso eu tenha simpatizado com o post.
;)
Excelentem, hein, Bruno! Sem falar do desfecho que beeira o real. Numa boa, não admiro se ela aparecer pelo Faustão, Gugu ou no Superpop, não...
Abraços!
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