'Vejam, madames', disse finalmente, 'essas pessoas me pertenciam,
eram minhas. [...] Eu era capaz de torná-los felizes.'
-A festa de Babette, Karen Blixen
I
Todos sabiam como era excêntrico o chef L., o grande cozinheiro francês, e por isso ninguém estranhou quando, um ano depois de desaparecer sem nenhum aviso, souberam que ele estava de volta à cidade e daria um jantar especial no bistrô.
A enorme e barulhenta signora C. e seu apagado marido, o general reformado J., o desembargador L., a prima ballerina da ópera municipal, sr. e sra. K., o professor de latim da universidade, o crítico literário P., o solitário colecionador de antiguidades sr. D., a pianista e o violinista da orquestra sinfônica, a bela e bem-nascida senhorita M., o cônsul da França monsieur B.: todos os melhores clientes da casa foram convidados.
Chef L. fora o maior cozinheiro da região, quem sabe do país. Trabalhava junto com a esposa num bistrô de poucas e concorridíssimas mesas, numa alameda escondida do centro da cidade. O casal desaparecera um ano atrás, sem deixar pista: os clientes que chegaram naquela noite simplesmente deram com as portas fechadas. E com as mesmas portas fechadas davam os nostálgicos que, vez ou outra, passavam em frente na esperança de ver algum movimento ali.
Como era de se esperar, o chef era um sujeitinho difícil. Tinha por norma não receber críticos gastronômicos e, por isso, ficava constantemente de fora dos guias. Não permitia que os clientes fizessem substituições no prato: era o que estava no menu ou rua. Reprovava as más escolhas de vinho que faziam os menos conhecedores e mandava que o garçom ignorasse o pedido e entregasse uma garrafa do vinho que ele julgava mais apropriado.
As extravagâncias do cozinheiro eram, porém, compensadas em grande parte pela presença de sua esposa. Discreta e simpática, a bela senhora L. recebia os clientes, atendia ao telefone e consertava as más impressões que o marido causava. Uma mulher adorável.
Já era quinta-feira e todos correram com os preparativos. Madame C. mandou a camareira trazer seus melhores vestidos, senhorita M. correu a comprar vários vestidos, general J. deu ordens à mulher que se aprontasse, o professor de latim pediu ao filho que gravasse o capítulo que perderia da sua novela preferida, sr. e sra. K. voltaram apressados do spa, a bailarina alegou dores para faltar ao ensaio, o casal de músicos da sinfônica pediu a uns amigos que tocassem em seu lugar num casamento, o crítico animou-se com a perspectiva de participar de uma segunda festa de Babette, monsieur cônsul animou-se com a perspectiva de rever o amigo conterrâneo, o desembargador solicitou o motorista e o carro oficial do tribunal de justiça. Somente o sr. D., que não se sentia bem de saúde, recusou polidamente o convite.
E sexta-feira seria uma noite gloriosa.
* * *
Depois de muito tempo, consegui escrever outro desses de suspense. Semana que vem, a próxima parte.
6 comentários:
Já ouvi esta história... rsrs
Te amo!
E o Chef lembrou o personagem Nazi, do Seinfeld. "No Soup for you!".
abraço
Putz! Suspense dividido em partes?
Eu já fico ansioso pelo próximo episódio da novela, que é no dia seguinte. Uma semana então nem se fala.
Hare-baba!
cadê!?
ps. eu sei que estou de devendo email, mas meu ritomo está frenético, estou enrolada, estressada, enfim... quando a poeira baixar um pouco darei sinais. mas não desanimei não, tá!
beijos
É por isso que não gosto de ler suspense dividido em partes.
É como fazer... ah, bem... é como comer um teco de uma torta, tendo fome pacas, e não poder comer o resto.
Caro acepipe, como vai? Puxa, gostei bastante desse início. Seja lá o que for a culpa é do sr. D. Está na cara! Grande abraço.
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