Sardas, sardas delicadas. Pele clarinha. Olhos claros, grandes, e cabelo escuro, pequeno. As alcinhas da blusa nos ombros frágeis. Uns gestos assim de quem quer parecer mulher feita, mas não adianta: tudo nela cheira a coisas frescas –e tem os sapatos, também: os sapatinhos denunciam um resto de meninice.
Ao lado dela, o garoto não consegue disfarçar a tensão. Ela relaxada, jogada no banco, assoprando a última baforada do cigarro para o alto, mostrando o pescoço branquinho. Ele tenso, intimidado, sentado meio desconfortável na ponta do banco, esqueceu de tirar a mochila das costas, boca seca e mãos molhadas.
Conversam. Ela conta como foi o dia, e ele saboreia cada palavra, imagina cada momento daqueles. Ela acordando de manhã, ela correndo para pegar o ônibus, ela escondendo-se da chuva, ela mostrando esmeraldas a um cliente na joalheria, ela almoçando um sanduíche natural, ela tomando um chá gelado desses com gosto de adoçante, ela saindo para fumar cinco minutinhos. Ela.
Ela relaxada, ele tenso.
Até que enfim ele tira a mochila das costas. Desajeitado. Agora pode se encostar no banco, vê-la sem ter que torcer o pescoço. O que ele não daria para que ela o visse como alguém além do amigo fofo.
Ela puxa mais um cigarro do maço. Ele quer parecer que não liga, mas pediria a ela que parasse. O isqueiro de bolinhas vermelhas, o pescoço delicado, a boca assoprando para o céu.
O que ele não daria.
Chega então um sujeito. Um desses, que parecem mais do que são, que querem mais do que merecem. Dá no rosto da moça um beijo demorado e na mão do garoto um aperto apressado e mais se larga do que se senta no banco. Pede um cigarro a ela, solta a primeira baforada na direção dele.
Alguém está sobrando no banco.
A garota só tem olhos para o sujeito. O cigarro vai queimando: ela esqueceu de fumar. O garoto fica ali, quer parecer que não liga, mas pediria que ela não andasse com esses caras. O sujeito conta histórias, vantagens.
O garoto interrompe, inventa uma qualquer. Alguém está sobrando no banco e ele decidiu quem é –não deveria ser. Levanta apressado, ajeita a mochila nas costas –parece mais pesada agora– e sai, com as mãos nos bolsos. Chuta uma pedra sem querer e mais adiante chuta de novo, por querer.
O que ele não daria, meu Deus!
A garota fica lá, procura o espelhinho na bolsa, agora é ela quem está tensa. O sujeito mal a olha, largado no banco, e conta suas histórias tortas: não sabe ouvir, só falar.
Quem sabe um dia ela veja.
* * *
(Ou pelo menos foi o que eu imaginei, vendo a cena do outro lado da calçada, sentado no café.)
8 comentários:
Que legal... Vamos torcer para que o garoto tenha coragem de se mostrar da próxima vez.
É sempre assim... Boa sorte garoto...
Eu acho que todo mundo já passou por uma história dessas...
Me senti o "sobrado" da história...
Coisas da Vida, e sem explicação...
Abração e Bons Dias.
Ah, esses desencontros da vida. Parece até aquele poema do: Fulano amava sicrano que amava beltrano que não amava ninguém. A gente sempre liga pra um, que não liga a mínima pra gente, enquanto tem outro ali, que nem percemos, nos enxergam como se fossemos a única coisa no mundo.
Podia ser tão mais fácil!
Bonita sua perspectiva, Bruno.
Quantas vezes um de nós não nos sentimos sobrando, em alguma situação... Chutando pedras para esquecer.
E o segundo rapaz, por quem será que ele fica tenso?
Eu gosto de imaginar sobre a vida das pessoas, acho que escreverei sobre elas, algum dia.
:)
“Um desses, que parecem mais do que são, que querem mais do que merecem.” E, pra piorar, têm mais do que são capazes de se importar. Até o dia em que a maré vira, como ela sempre faz...
E elas continuam nervosas em suas presenças, ignorando os “amigos”, fofos ou não, até o dia da maré virar...
E esses sempre nervosos, que esquecem a mochila nas costas, sempre estarão sobrando. E quando a maré virar, será tarde demais...
Pois é. A vida é assim mesmo, dizem.
Por sinal, continue com o bom trabalho (alguém tem que)!
;)
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