30.8.07

O escultor

VI - fim
(partes anteriores: I, II, III, IV e V)

De madrugada, o padre J. acordou sobressaltado. Chegou a sentir-se aliviado quando viu que fora um pesadelo, mas logo se lembrou de que a realidade não era menos dura: ele tinha um assassino nas mãos. Na igreja, haviam cessado as batidas do martelo. O velho homem dormiu com a pergunta ressoando na cabeça: deveria quebrar o santo segredo da confissão?
     Antes do amanhecer, levantou-se, como de costume, para rezar as matinas, vestiu-se, tomou o breviário e desceu para a igreja. Antes de ajoelhar-se no altar central, o padre notou que os painéis no fundo da igreja não estavam mais cobertos com o pano: estavam prontos. Mas, embora tudo o que quisesse nos últimos meses era vê-los acabados, não quis chegar mais perto para observar, estava desgostoso.
     Voltou para a sacristia, onde preparou, sem apetite nenhum, seu café da manhã. Depois da confissão do dia anterior, o padre não sabia como encararia o homem que logo sairia pela porta do quarto de hóspedes. Mas ninguém saiu por ela, ninguém dormia naquele quarto. Todas as roupas e os pertences estavam lá, como no dia anterior, mas não o artista. Correndo como podia, o padre voltou para procurá-lo na igreja, pensou que talvez a vista o tivesse traído e o homem estivesse o tempo todo lá. Não encontrou ninguém. O escultor fugira.
     O padre J. caminhou lentamente até os grandes painéis de mármore. Eram uma imagem grandiosa. Espalhados no chão e na bancada diante deles, estavam ainda todos os instrumentos do escultor. No chão, o grande tecido branco que antes cobria as partes inacabadas.
     Ele correu os olhos pelo paraíso e o purgatório. Eram perfeitos, mas o padre não os achava mais belos, o escultor cobrara alto demais por eles, um preço que ele jamais desejaria pagar: sangue inocente. E então o inferno. A idéia do padre era uma visão terrível, mas que bem serviria como alerta aos fiéis: sejam maus e vocês virão para cá. E de fato era aterrorizante: os corpos contorciam-se, agonizavam, imploravam por um segundo que fosse de descanso.
     E então, dentre aquelas caretas de dor, um rosto saltou aos olhos do padre J. Ardendo em uma labareda, puxado por dois demônios que tentavam rasgar-lhe as carnes, estava um rosto bem familiar: o próprio escultor. O padre não pôde conter um grito de horror antes de perder os sentidos e ser acudido pelas beatas que chegavam para a missa.
     Desde então, o artista misterioso nunca mais foi visto. Não em carne e osso.

12 comentários:

Paulo Bono disse...

muito bom. bem cinematográfico. ótima narrativa.
abraço

Anônimo disse...

último post da prateleira, menino bonito.

=[

Mariliza Silva disse...

Bruninho

Só não entendi uma coisa... meu texto não foi republicado. É a primeira vez que o publico....

beijão

Mariliza

Mariliza Silva disse...

No problem!!!!

As vezes isso acontece comigo também!
rsrsrsrs

Beijão e volte sempre

Mariliza

Anne disse...

É...admito que não tive tempo de ler tudo. Fiz a besteira de começar a ler pelo final da história. Mas pretendo passar aqui com tempo e ler deeesde o começo!

Vi lá no primeiro post vc falando do analista de Bagé...hahaha, acho ele um sarro, extremamente delicado e sutil...=P

Adorei aqui, adorei as cores, o desenhinho aqui de cima e, especialmente, sua forma de escrever! Voltarei!
Bjos

Lais Mouriê disse...

Há alguns dias venho lendo "O escultor", e estava ansiosa pelo final, que, por sinal, foi ÓTIMO! Quando o mocinho lançará seu livro? rsrsrsrs

Bjos e Parabéns

Lais Mouriê disse...

E outra coisa, acrescentei seu blog aos meus indicados, ok?

Bjos

Avid disse...

Gostei do final...
Bjs meus

Anônimo disse...

Cara, citei você nas minhas indicações (tardias) de blog day. confere lá depois.

Jota disse...

Pronto.

Depois de várias visitas, percorri todas as prateleiras da tua despensa, sentei no sofá, abri a geladeira e brinquei com o cachorro.

Me empanturrei com todos os teus acepipes literários, do primeiro ao último e meu colega...

Que banquete!

Um abraço!

ex-amnésico disse...

Talvez vc nem leia, mas acompanhei a história (e andei com problemas para comentar); e isso para chover no molhado, o conto é excelente! Parabéns de um pseudo escritor!

Estou por aqui, quando possível, rsrs.

Até mais.

Diego disse...

Gostei.

Sutil demais para o meu paladar, mas muito bacana, parabens :)