Abri as cortinas hoje na hora exata em que o sol nascente tingia todo o céu de um amarelo delicado. Sabe aquela coisa de a hora exata, o sol na posição exata por trás das montanhas, as nuvens com o desenho exato, num dia exato do ano a cada sei-lá-quantos milhares exatos de anos? Fiquei ali, olhando, embevecido —sempre quis usar esta palavra, "embevecido".
Ou eu ando muito sentimental de novo ou a beleza de uma simples manhã é magnífica mesmo.
31.3.08
20.3.08
17.3.08
O homem de açúcar
— Vamos, Fulano! Por acaso você é de açúcar, vai dissolver se pegar chuva?
Sempre assim: as pessoas chamavam e o Fulano não ia. Ficava dentro de casa, andava debaixo das marquises, trabalhava até mais tarde, fazia hora nas lojas: tudo para não pegar chuva, tudo para não se molhar. Puro medo de dissolver. Mas não só de dissolver, que os homens de açúcar têm outras preocupações: Fulano escondia-se do sol para não derreter, fugia do frio para não virar pedra.
Não que Fulano fosse mau sujeito, também não que Fulano fosse infeliz. Era feliz à sua maneira, levava a vidinha num açucareiro, num potinho fechado onde as coisas são menos perigosas e mais açucaradas. E, ainda que saísse de lá, era só para pular no pote de achocolatado. Não ia muito mais longe que isso.
Fulano nunca esqueceu o guarda-chuva de propósito em casa. Fulano nunca ignorou o conselho de levar um casaco. Nunca fingiu que não ouviu o despertador, nunca trocou o almoço por um sanduíche, nunca abriu um botão a mais da camisa.
Protegia-se da chuva, era o que fazia.
Quando moleque tinha vontade de ter uma moto que, depois de crescido, jamais comprou. Pensou em fazer um penteado mais legal, deixar o cabelo crescer um pouco, mas pedia ao barbeiro o mesmo corte de sempre. Até notou que a garota do financeiro o tratava com uma simpatia especial, mas nunca a convidou para sair.
Escondia-se da vida, era o que fazia.
No fundo, Fulano era mesmo um desses homens de açúcar. Pois acabou que um dia foi pego por uma chuva repentina que o dissolveu e arrastou para o bueiro. E —cá entre nós— ninguém notou falta.
Sempre assim: as pessoas chamavam e o Fulano não ia. Ficava dentro de casa, andava debaixo das marquises, trabalhava até mais tarde, fazia hora nas lojas: tudo para não pegar chuva, tudo para não se molhar. Puro medo de dissolver. Mas não só de dissolver, que os homens de açúcar têm outras preocupações: Fulano escondia-se do sol para não derreter, fugia do frio para não virar pedra.
Não que Fulano fosse mau sujeito, também não que Fulano fosse infeliz. Era feliz à sua maneira, levava a vidinha num açucareiro, num potinho fechado onde as coisas são menos perigosas e mais açucaradas. E, ainda que saísse de lá, era só para pular no pote de achocolatado. Não ia muito mais longe que isso.
Fulano nunca esqueceu o guarda-chuva de propósito em casa. Fulano nunca ignorou o conselho de levar um casaco. Nunca fingiu que não ouviu o despertador, nunca trocou o almoço por um sanduíche, nunca abriu um botão a mais da camisa.
Protegia-se da chuva, era o que fazia.
Quando moleque tinha vontade de ter uma moto que, depois de crescido, jamais comprou. Pensou em fazer um penteado mais legal, deixar o cabelo crescer um pouco, mas pedia ao barbeiro o mesmo corte de sempre. Até notou que a garota do financeiro o tratava com uma simpatia especial, mas nunca a convidou para sair.
Escondia-se da vida, era o que fazia.
No fundo, Fulano era mesmo um desses homens de açúcar. Pois acabou que um dia foi pego por uma chuva repentina que o dissolveu e arrastou para o bueiro. E —cá entre nós— ninguém notou falta.
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