Tudo começou com uma ligação, aparentemente engano, no celular do Sandrão. Sandrão, torneiro mecânico, solteiro, trinta e dois anos, um metro e oitenta e nove, noventa e sete quilos de maldade, titular absoluto na zaga da pelada de sexta-feira:
— Bom dia, eu gostaria de estar falando com a senhora Cassandra, por favor.
Acho que você ligou errado, desculpa, tudo bem, e tal. Passou batido, um engano e só. Dali uns dias, outra ligação procurando pela a mesma Cassandra. Vai ver que a moça estava devendo na praça e deu um telefone errado para despistar a empresa de cobrança, pensou o Sandro, mas vá lá, nada com que se preocupar.
E, realmente, parecia não ser nada com que se preocupar.
Prova de que a vida ia bem foi que, no sábado, o Sandrão acordou, meio ressaqueado da cerveja de depois da pelada, e deu com uma cinta-liga no criado mudo. Embora não se lembrasse de nada, passou o resto do dia –e da semana– imaginando quem seria a dona da lingerie, peito estufado de orgulho de macho. Que noite não deve ter sido! Que mulherão! É isso aí, Sandrão!
Entra dia, sai dia, ele encontrou, no meio das contas que o carteiro trouxe um catálogo de sex shop. Catálogo completo, formato de revista, etiquetado com o endereço dele mas com o nome de Cassandra. O Sandrão deu uma folheada no negócio, material pesado, tinha coisa ali que nem sabia para que servia.
E domingão, na hora do jogo do Corinthians, um motoboy tocou a campainha, com uma entrega em nome de Cassandra. A primeira reação do Sandrão foi dizer que não morava ali nenhuma Cassandra, mas a curiosidade foi maior: assinou tudo e recebeu o pacote. Era uma caixa da sex shop, aquela do catálogo, com um quepe, um chicote, um par de algemas e dois daqueles que ele não sabia para que serviam. Será que a mulher da cinta-liga queria repetir a noitada? E com acessórios? Uau.
Pois no dia seguinte, o Sandrão acordou e sentiu uma sensação diferente: o lençol parecia mais macio, deslizava pelo corpo. Quando se descobriu, ele descobriu –desculpem não resisti ao trocadilho– que tinha as pernas depiladas. E o peito! E as axilas! E nem traço da mulher que passara a noite ali e deixara aquela peruca loira em cima da geladeira.
Mas ele ficou cabreiro mesmo, e a pulga atrás da orelha incomodou mesmo, foi no dia em que estava andando na rua e alguém bateu no seu ombro, chamando-o de Cassandra. O Sandrão se virou, pronto para agarrar o sujeito pelo pescoço, mas o homem, um tipo baixinho, careca e respeitável, ficou tão constrangido, pediu tantas desculpas que ele teve dó.
— Mil perdões, é que, vendo o senhor de costas, pensei que fosse alguém conhecido.
Não bastasse, no dia seguinte, ligaram para a Cassandra de novo. Mas agora era voz de homem, e não parecia ligação comercial: a voz vinha emocionada, nervosa do lado de lá da linha. Quando o Sandrão disse que não tinha nenhuma Cassandra, o sujeito teimou insistiu desesperou, respondeu que não adiantava tentar enganá-lo, que ele reconhecia a voz, jamais esqueceria aquela voz rouca, Cassandra, fala comigo, Cassandra!
Foi então que o Sandrão, que desligara na cara do pobre apaixonado, juntou, com horror, as peças do quebra-cabeça. Demorou até que passasse o choque e ele acreditasse nos fatos. As ligações eram para ele. A lingerie era dele. O catálogo era para ele. Aquelas coisas que ele não sabia para que serviam eram para ele. Ele era Cassandra! Ele!
Ninguém no beco entendeu porque um dia o Sandrão encheu as janelas de cadeados. E a dona Regina entendeu menos ainda quando o vizinho se trancou lá dentro, passou a ela todas as chaves e pediu que só abrisse no dia seguinte, às cinco da manhã.
* * *
E por favor deem as boas-vindas para meu amigo Alexandre, novato na blogosfera mas macaco velho na arte de contar boas histórias, lá no Encontro dos contos.
27.5.09
10.5.09
Dia a dia #9
Outro dia fui à padaria comprar um bolinho para o café e, quando fiz o pedido, me dei conta de que poderia ter arranjado problemas. Em tempos de politicamente correto, bolo nega maluca virou "afro-descendente com distúrbios psicológicos".
7.5.09
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