1.1.11

Dois mil e onze

Gosto de escrever datas por extenso, assim parecem mais importantes. Dois mil e dez foi um bom ano. Não sou de fazer retrospectivas, de fechar para balanço aos trinta e um de dezembro, mas se for para dizer algo, digo isso: dois mil e dez Anno Domini foi um bom ano.
     Sei lá, não gosto de fazer listas de compromissos; igualmente, não acho justo exigir nada. Mas, se fosse para pedir algo a dois mil e onze, esse que acaba de nascer e não tem culpa das nossas frustrações passadas, pediria que o sol nascesse trezentas e sessenta e cinco vezes.
     Que termine o verão, que passe o outono, que chegue o inverno e venha a primavera.
     Também me basta que em dois mil e onze os bebês continuem aprendendo a dar risada, que as crianças continuem tentando andar de bicicleta sem rodinhas, que as donas de casa continuem correndo para tirar as roupas do varal num dia de chuva, que os agricultores sigam plantando e colhendo com generosidade, que os trabalhadores prossigam descansando a cada fim de dia.
     Que o amor ainda seja a força mais frágil e mais poderosa do mundo.
     E, se pudesse pedir mais um um pouquinho, pediria também que os canários continuem cantando nas janelas logo cedinho. Que os gatos miem nos telhados para avisar como está bonita a lua cheia e que os cachorros façam festa a cada volta dos donos. E, ah!, que os ipês floresçam.
     Com o resto eu me arranjo.
     Um mestre caminhava à beira de um rio onde a água, correndo entre as pedras, fazia nascer uma infinidade de bolhas. Lá pelas tantas, ele perguntou às bolhas: "quem são vocês?", e elas, quase todas elas, responderam: "eu sou uma bolha!", e havia raiva e indignação –como é que ele pode fazer uma pergunta óbvia dessas?– em suas vozes. Porém, aqui e ali, uma ou outra bolha respondeu: "nós somos este rio", e não havia raiva nem indignação em suas vozes.
     Pois que o rio continue fluindo, que o Mestre olhe por suas bolhas, que a resposta brote em nossos lábios. E dois mil e onze será um bom ano.