São uns passarinhos pretos, bem pretos. Não sei como se chamam.
Caminho todos os dias até o trabalho. Saio cedo, gosto de chegar na empresa já no primeiro horário –assim saio mais cedo também. Coisa de meia hora, o sol ainda se espreguiçando, ruas tranquilas, uma ou outra casinha de madeira, muitas árvores, uma praça, uma gangue de vira-latas simpáticos, um casal de velhinhos que sempre me acenam vindo no sentido oposto e os passarinhos. Bem-te-vis, rolinhas, sabiás, joões de barro, canários, quero-queros, pardais, uns periquitinhos. As corujas eu só ouço. E tem esses pretinhos misteriosos.
Já consultei minha avó, o avô da minha esposa, meu pai; ninguém soube me dizer. Também eu não sei explicar muito bem.
Sou autodidata, meio naïf, nesse negócio de passarinhos. Acho que meus avôs teriam sido bons professores. De uns sei só o canto, de outros só o nome, de outros só a aparência. Aos poucos vou juntando conclusões e aprendendo a apontar qual é qual. Esses pretinhos, porém, ainda são um mistério.
Não é todo dia que os vejo, tenho a impressão de que são poucos. Não são de bando exclusivo, andam numa boa no meio da turma toda. Maiores que um pardal, menores que um sabiá. Não sei se cantam. Gostam especialmente de um álamo numa das ruas do meu caminho, e vendo a árvore é fácil entender o porquê.
Lembrei da minha falecida avó e o curió que ela alimentava com giló (quanto "ó"), mas, se não me falha, ele tinha peito marrom; esses meus amiguinhos não têm sequer uma peninha que não seja preta. Cheguei a cogitar que fossem chopins –outros de que só sabia o nome e a fama, mas não fazia ideia de como fossem–, mas meia dúzia de fotos no Google derrubaram minha dedução.
Esses dias atrás, passei um final de semana no campo com minha esposa. Um bando de canários voava de árvore em árvore conforme nós andávamos pela estradinha, um pica pau martelava um pinus, os quero-queros gritavam do outro lado do lago e juro que eu pensei que fosse morrer naquela hora mesmo, de tanta paz que senti.
E teve a vez que, entre os raios de sol que caiam dos galhos de uma araucária, vi uma gralha azul. Uma coisa maravilhosa. A visão foi só um segundinho, mas a memória vai durar o quanto Deus quiser que dure a minha vida. Quando fizeram cara de desconfiança e me perguntaram se eu sabia como era uma gralha azul, eu respondi: "não sei, mas na hora eu soube".
Já esses são uns passarinhos pretos, bem pretos, brilhantes, maiores que um pardal e menores que um sabiá, andam no meio dos outros, fogem antes de eu chegar perto e gostam de um álamo em especial, no que os apoio totalmente.
Não sei como se chamam.
Já me sugeriram tirar fotos, mas não comprei a ideia. Primeiro que não sou desses de apontar câmera para tudo o tempo todo –já escrever uma crônica, tudo bem. Depois que, no fundo, acho que não preciso saber, não.
20.6.11
16.6.11
Tardes no café
O termo correto é "colegas de trabalho", mas não é isso que vou contar aos meus netos. Sobre o Denis Tanaami vou falar das piadas e imitações, das conversas sobre música, da paixão por Fuscas. Era de lei o nosso espresso à tarde, coincidentemente na hora da ginástica laboral. Para não dar briga entre as duas cafeterias preferidas, seguíamos uma escala simples: um dia em uma, outro dia em outra.
Teve a vez, quando saíamos de uma delas, uma que serve um Sul de Minas maravilhoso, que eu estranhei:
— Ei, Denis, notou que estava faltando a tia do caixa?
"Tia do caixa" era uma velhinha, uma avózinha simpática que sempre pedia ajuda para passar o cartão de débito e desejava "obrigada de novo, uma boa tarde, meninos". E o Denis tinha notado.
Como no dia seguinte era vez da outra cafeteria, a que serve Alta Mogiana, foi só dois dias depois que voltamos lá e, de novo, nada da velhinha do caixa. Nem no outro dia, nem no outro.
Seguimos num silêncio constrangido –os dois preocupados, mas os dois sem jeito de perguntar– até o dia em que demos com as portas de vidro fechadas, um aviso improvisado. "Motivos familiares", dizia.
Caramba.
Desobedecemos a escala –o caso era urgente– e, no dia seguinte, ufa!, vimos de longe as portas abertas. Nada, porém, da nossa amiga. Nem no outro dia, nem no outro. Nem na outra semana, nem na outra.
Caramba.
Juro que cheguei a ensaiar, cheguei a prender o ar para perguntar e na hora não consegui. Medo de que alguém se ressentisse, sei lá. Eu e minha covardia –e o Denis e a covardia dele também. Ficou aquele silêncio do luto, os dois amigos de café meio órfãos e, fazer o quê?, a escala seguiu. A vida sempre segue.
Até o dia em que demos com uma das mesas agitada, mulheres em volta, gritinhos de fofura. E, um sorriso só, sentada com um bebê no colo –nova netinha?– estava nossa amiga, a velhinha do caixa.
Acabou que saí do emprego e já faz uns anos que não estendo mais o cartão e indico os botões na maquininha para pagar um espresso naquele caixa.
As pessoas deviam saber mais da importância que têm na vida das outras. Engraçado que nunca passou disso, do "boa tarde, meninos" dia sim, dia não; nunca soube dela mais que isso. Ainda assim, tivemos que esconder as risadas –de contentamento, de alívio– atrás das folhas do jornal. Minha vontade era levantar da mesa e pedir licença, perguntar por onde andou, contar como estava feliz por vê-la bem, dar uma bronca de leve por ter assustado daquele jeito. Quem sabe até um abraço acanhado.
Me arrependo por não ter feito.
Teve a vez, quando saíamos de uma delas, uma que serve um Sul de Minas maravilhoso, que eu estranhei:
— Ei, Denis, notou que estava faltando a tia do caixa?
"Tia do caixa" era uma velhinha, uma avózinha simpática que sempre pedia ajuda para passar o cartão de débito e desejava "obrigada de novo, uma boa tarde, meninos". E o Denis tinha notado.
Como no dia seguinte era vez da outra cafeteria, a que serve Alta Mogiana, foi só dois dias depois que voltamos lá e, de novo, nada da velhinha do caixa. Nem no outro dia, nem no outro.
Seguimos num silêncio constrangido –os dois preocupados, mas os dois sem jeito de perguntar– até o dia em que demos com as portas de vidro fechadas, um aviso improvisado. "Motivos familiares", dizia.
Caramba.
Desobedecemos a escala –o caso era urgente– e, no dia seguinte, ufa!, vimos de longe as portas abertas. Nada, porém, da nossa amiga. Nem no outro dia, nem no outro. Nem na outra semana, nem na outra.
Caramba.
Juro que cheguei a ensaiar, cheguei a prender o ar para perguntar e na hora não consegui. Medo de que alguém se ressentisse, sei lá. Eu e minha covardia –e o Denis e a covardia dele também. Ficou aquele silêncio do luto, os dois amigos de café meio órfãos e, fazer o quê?, a escala seguiu. A vida sempre segue.
Até o dia em que demos com uma das mesas agitada, mulheres em volta, gritinhos de fofura. E, um sorriso só, sentada com um bebê no colo –nova netinha?– estava nossa amiga, a velhinha do caixa.
Acabou que saí do emprego e já faz uns anos que não estendo mais o cartão e indico os botões na maquininha para pagar um espresso naquele caixa.
As pessoas deviam saber mais da importância que têm na vida das outras. Engraçado que nunca passou disso, do "boa tarde, meninos" dia sim, dia não; nunca soube dela mais que isso. Ainda assim, tivemos que esconder as risadas –de contentamento, de alívio– atrás das folhas do jornal. Minha vontade era levantar da mesa e pedir licença, perguntar por onde andou, contar como estava feliz por vê-la bem, dar uma bronca de leve por ter assustado daquele jeito. Quem sabe até um abraço acanhado.
Me arrependo por não ter feito.
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