26.8.11

Goiaba

E tinha o Fraga, que quando era moleque invadia quintais atrás das melhores goiabas. Louco por goiaba. Cresceu, fez carreira no banco, casou e, belo dia, foi chamado para supervisor. Mas nem tudo são flores: a vaga era para o turno da madrugada.
     De começo, a esposa ficou meio arredia –dormir todo dia sem marido?–, mas o Fraga prometeu que ainda teriam um finzinho de noite juntos, que era provisório, que o Miranda do turno do dia estava para se aposentar e, veja bem, olha aqui de novo essa proposta de aumento.
     A primeira semana foi complicada, a segunda correu bem melhor, na terceira o Fraga já tirou de letra. Saía de casa noite alta e voltava de manhã cedinho, a tempo de tomarem café juntos antes de a esposa ir trabalhar.
     Numa quarta-feira ele chegou e, susto!, cama vazia. Ninguém no quarto, nem no closet, nem no banheiro. Desceu, então, para a cozinha e deu com um bilhete na geladeira: "Amor, fui à feira, já já chego. Te amo."
     De fato, já, já chegou a mulher com um carrinho abastecido. E, surpresa boa!, de um embrulho de folhas de jornal surgiu meia dúzia de belas goiabas. Nem maduras demais nem verdes demais: do jeito certinho que ele gostava, exatamente como as da infância. O Fraga, louco por goiaba.
     A partir de então, toda quarta, o Fraga chegava em casa e dava com o bilhete carinhoso. Era só o tempo de ferver a água para o café e vinham as rodinhas barulhentas do carrinho de feira. E o afortunado Fraga, que salivava só com o perfume das goiabas, pensava na sorte de se ter uma mulher assim dedicada.
     Foi num dia de chuva feia que ele se sentiu mal. Só um resfriado, nada de se preocupar, mas ainda assim pessoal do setor foi solidário, fez questão de segurar as pontas para ele descansar em casa.
     O Fraga voltou pensando que, com certeza que a mulher levantaria, preocupada, faria uma canja de legumes, quem sabe até largasse o serviço e ficasse em casa também; até que um resfriadinho era bem-vindo. Chegou no meio da madrugada, abriu a porta com cuidado e foi direto para a cozinha procurar algum comprimido. No que pegou, porém, na alça da geladeira, deu com um bilhete, o bendito bilhete de todas as quartas: "amorzinho, estou na feira, já já chego".
     Duas da madrugada. Bilhete já na geladeira.
     Subiu para o quarto e a cama estava vazia. Tudo vazio.
     Duas da madrugada. Ninguém em casa.
     Caiu ali, sentado na cama, coçando a cabeça. Quando, de manhã cedinho, ouviu o portão, estava ainda na mesma posição. Era a mulher, prestimosa, puxando o carrinho barulhento. A mulher, prestimosa, que passou o café, espremeu laranjas, torrou o pão e abasteceu a fruteira de goiabas perfeitas. A mulher, prestimosa, que se arrumou para trabalhar e despediu-se do marido com um beijo na testa.
     Nem vestiu o pijama. Durante todo o dia, o Fraga não conseguiu dormir. Por onde ela andou? Será que toda quarta era assim? Será que o fruteiro...?
     Prestes a pegar a mala para enfiar todas as roupas da esposa dentro, armar um barraco daqueles de novela, o Fraga foi fulminado por um pensamento que até então não lhe ocorrera: onde mais, meu Deus, ele acharia uma mulher que sabe escolher goiabas bem do jeito que ele gosta?
     Caiu ali de novo, sentado na cama, coçando a cabeça. Meditou longamente. Cada um tem seus motivos, e esse pareceu um forte o bastante para o Fraga: goiabas perfeitas, toda quarta. Decidiu ficar quieto. Quando, de noite, a esposa chegou do trabalho, ele já a esperava com a janta pronta.
     Só, por via das dúvidas, decidiu nunca mais voltar antes da hora nas quartas-feiras.