Quarta passada à tarde, eu estava em casa de atestado médico, me recuperando de uma febre, quando ouvi tiros de bacamarte na rua. Era o capitão Joe Náufrago que veio comprar comida de peixe na mercearia aqui ao lado e aproveitou para me visitar. Escarrou na minha bacia de escalda pés e deu-me um abraço que, suspeito, descolou um dos pulmões. Enquanto ele limpava as unhas do pé –o bom capitão só tem um– com um sabre enferrujado, contei o que aconteceu:
— É que minha garganta inflamou. Tenho que tomar esse antibiótico de seis em seis horas, o anti-inflamatório de doze em doze e o antitérmico de quatro em quatro.
— Arrrr, por todos os abismos do inferno! Minha avó tuberculosa tem mais colhões que você, seu desgraçado remador de água doce. Você me envergonha, rapaz.
— Mas é que à noite eu tive muita febre e...
— Uma boa garrafa de rum com alcatrão te fará muito mais bem que essas porcarias de remédios de donzelas tomadoras de chá.
Então o capitão tirou da bolsa uma garrafa embaçada de vidro amarelo. Vazia.
— Aquele saco de pulgas deve ter lambido todo meu rum enquanto eu dormia na sarjeta... Tome, rapaz, vá buscar mais.
Eu pensei em recusar o meio dobrão de ouro que ele me esticava, dizer que já estava em tratamento, mas os dentes arreganhados e o sabre em punho do capitão lembraram-me de que não se recusa o favor de um pirata amigo.
— E tome mais uma moeda. Uma noite dormida entre os peitos da taberneira Helga também vai te fazer bem. Calor humano, garoto.
O velho capitão não tem muita paciência para essas coisas da medicina, mas ele tem boa vontade. Ah, se meu médico fica sabendo...
* * *
Fazia tempo não aparecia por aqui o capitão. Clique aqui para lembrar outros casos desse meu amigo.
28.8.10
20.8.10
Batatas
Um dia, não lembro quando, me servi num restaurante, um desses buffets por quilo do centro da cidade. Não lembro se foi essa a primeira vez em que estive lá. Não lembro do que peguei –meio prato de salada, uma colher de arroz, provavelmente–, só lembro das duas metades de batata.
Eu estava sozinho na mesa, de frente para uma vidraça que dava para a rua. Lá fora era um dia ensolarado, não lembro se de inverno ou verão. As pessoas faziam fila para pagar no caixa, uma menina dessas estudantes de cursinho esbarrou com a bolsa de livros em mim –o que normalmente eu levaria como ofensa pessoal–, mas eu nem tomei muito conhecimento.
Talvez eu esteja adivinhando ou inventando essas coisas mais do que lembrando realmente.
Só o que lembro com certeza, com absoluta certeza, é das duas metades de batata. Benditas batatas. Lembro, também com certeza, de ter mastigado cada pedaço delas sorrindo de uma satisfação tranquila, esperando que tão logo não acabassem.
Não saberei descrever. Tinham uma casca fina e dourada por fora, um queimadinho da assadeira quente na parte de baixo. Por dentro eram macias, úmidas.
No fundo, era batata e só. Batata e mais nada.
Quem me conhece sabe do prazer que tenho em comer. É o luxo que me permito. Não coleciono, não junto nada. Não dou a mínima para carro roupa perfume eletrônico equipamento o que quer que seja. Mas gosto de comer bem. Não muito, mas bem. E nada nunca me tocou tanto quanto aquelas duas metades de batata.
Terminei de comer e fiquei ainda um pouco na mesa. Levantei, paguei a comanda e saí. Na rua, me arrependi de não ter beijado as mãos da cozinheira.
Por anos eu voltei ao mesmo restaurante duas ou três vezes por semana depois disso, mas nunca mais almocei batatas como aquelas.
É uma história meio ridícula, um segredo meu.
Mas, sei lá, fiquei com vontade de contar isso hoje.
Eu estava sozinho na mesa, de frente para uma vidraça que dava para a rua. Lá fora era um dia ensolarado, não lembro se de inverno ou verão. As pessoas faziam fila para pagar no caixa, uma menina dessas estudantes de cursinho esbarrou com a bolsa de livros em mim –o que normalmente eu levaria como ofensa pessoal–, mas eu nem tomei muito conhecimento.
Talvez eu esteja adivinhando ou inventando essas coisas mais do que lembrando realmente.
Só o que lembro com certeza, com absoluta certeza, é das duas metades de batata. Benditas batatas. Lembro, também com certeza, de ter mastigado cada pedaço delas sorrindo de uma satisfação tranquila, esperando que tão logo não acabassem.
Não saberei descrever. Tinham uma casca fina e dourada por fora, um queimadinho da assadeira quente na parte de baixo. Por dentro eram macias, úmidas.
No fundo, era batata e só. Batata e mais nada.
Quem me conhece sabe do prazer que tenho em comer. É o luxo que me permito. Não coleciono, não junto nada. Não dou a mínima para carro roupa perfume eletrônico equipamento o que quer que seja. Mas gosto de comer bem. Não muito, mas bem. E nada nunca me tocou tanto quanto aquelas duas metades de batata.
Terminei de comer e fiquei ainda um pouco na mesa. Levantei, paguei a comanda e saí. Na rua, me arrependi de não ter beijado as mãos da cozinheira.
Por anos eu voltei ao mesmo restaurante duas ou três vezes por semana depois disso, mas nunca mais almocei batatas como aquelas.
É uma história meio ridícula, um segredo meu.
Mas, sei lá, fiquei com vontade de contar isso hoje.
14.8.10
Como respirar
Pediram outro dia que eu contasse como nos conhecemos, como me apaixonei.
Não soube dizer.
É como se você estivesse sempre aqui.
Não sei dizer.
Amar você é como respirar: não sei como aprendi, não sei explicar como se faz. Um dia cheguei ao mundo e respirei, e isso é a vida. Um dia você chegou e eu te amei, e isso é a vida.
Não me interessa saber por que respiro, não me interessa saber por que amo. Só respiro e vivo. Só amo e vivo.
É como se eu tivesse aprendido você tão mansa, tão naturalmente quanto aprendi a andar ou a falar. É como se cada passo meu só tivesse me levado na sua direção, e estar numa madrugada escrevendo cartas de amor não fosse nada mais que o resultado da caminhada. Não me espanta que eu te ame.
Nos conhecemos há tantos anos –oito, nove, dez?—, não lembro ao certo como, onde, quando. A vida seguiu. Um dia abri os olhos e soube que te amava, não lembro direito. Essa história não saberei jamais contar. Só sei do dia vinte e oito de fevereiro, o dia da minha coragem, e do que temos vivido desde então. De antes, não sei dizer.
Eu não lembro mais de como era a vida antes de você. Não lembro de como eram os sábados, os domingos. Não lembro de como era dormir sem antes fazer uma prece silenciosa. Não lembro de com que olhos eu olhava para o céu estrelado.
(Sabe esses dias bem frios aqui de Curitiba quando a gente vê pela televisão alguma praia do outro lado do Brasil e parece que não consegue lembrar como é o calor, não consegue nem se imaginar de roupa de banho?)
Talvez eu não vivesse, talvez eu não tivesse sábados nem domingos, talvez eu não rezasse, talvez eu fosse cego e não enxergasse o céu. Não lembro.
Sei que amanhã é domingo, é o seu aniversário, e eu estarei com você. Sei que debaixo desse mesmo céu estrelado você dorme, talvez sonhando os mesmos sonhos que eu. Sinto o peito arfar, então sei também que respiro e que amo.
Só sei que respiro. Só sei que amo
Isso é o que me basta saber.
Tudo o que me basta saber.
Não soube dizer.
É como se você estivesse sempre aqui.
Não sei dizer.
Amar você é como respirar: não sei como aprendi, não sei explicar como se faz. Um dia cheguei ao mundo e respirei, e isso é a vida. Um dia você chegou e eu te amei, e isso é a vida.
Não me interessa saber por que respiro, não me interessa saber por que amo. Só respiro e vivo. Só amo e vivo.
É como se eu tivesse aprendido você tão mansa, tão naturalmente quanto aprendi a andar ou a falar. É como se cada passo meu só tivesse me levado na sua direção, e estar numa madrugada escrevendo cartas de amor não fosse nada mais que o resultado da caminhada. Não me espanta que eu te ame.
Nos conhecemos há tantos anos –oito, nove, dez?—, não lembro ao certo como, onde, quando. A vida seguiu. Um dia abri os olhos e soube que te amava, não lembro direito. Essa história não saberei jamais contar. Só sei do dia vinte e oito de fevereiro, o dia da minha coragem, e do que temos vivido desde então. De antes, não sei dizer.
Eu não lembro mais de como era a vida antes de você. Não lembro de como eram os sábados, os domingos. Não lembro de como era dormir sem antes fazer uma prece silenciosa. Não lembro de com que olhos eu olhava para o céu estrelado.
(Sabe esses dias bem frios aqui de Curitiba quando a gente vê pela televisão alguma praia do outro lado do Brasil e parece que não consegue lembrar como é o calor, não consegue nem se imaginar de roupa de banho?)
Talvez eu não vivesse, talvez eu não tivesse sábados nem domingos, talvez eu não rezasse, talvez eu fosse cego e não enxergasse o céu. Não lembro.
Sei que amanhã é domingo, é o seu aniversário, e eu estarei com você. Sei que debaixo desse mesmo céu estrelado você dorme, talvez sonhando os mesmos sonhos que eu. Sinto o peito arfar, então sei também que respiro e que amo.
Só sei que respiro. Só sei que amo
Isso é o que me basta saber.
Tudo o que me basta saber.
8.8.10
Só um parênteses
Eu bem que já tinha cantado a bola antes. Pois hoje, no almoço de dia dos pais, minha avó pediu atenção na sala e anunciou: arranjou um computador e vai fazer curso de informática.
Acho que o próximo passo é o Nobel de química ou a conquista da humanidade. Questão de tempo.
Acho que o próximo passo é o Nobel de química ou a conquista da humanidade. Questão de tempo.
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