17.10.07

O deserto vermelho

Uma chuva vermelha e muito suave caía nas estepes. O andarilho puxou seu cavalo para fora das paredes do desfiladeiro e apertou os olhos, tentando enxergar algo na vastidão do deserto que se abria diante dele. Um sol de sangue nascia no horizonte, sufocando a luz das estrelas.
     No leste, a estrela da manhã ainda fazia frente ao dia, desafiando a aurora com seu brilho lânguido. Então, logo debaixo dela, o peregrino avistou uma barraca.
     Depois de caminhar por toda a noite, ele animou-se com a possibilidade de, finalmente, trocar palavras com alguém. Conduziu o cavalo para lá.
     Conforme se aproximava, o estrangeiro ouviu o dedilhar suave de uma cítara. Não era apenas uma barraca de viajante, mas uma tenda riquíssima, dos mais finos materiais, erguida com habilidade e capricho. Uma bandeira púrpura tremulava no alto de cada um dos pilares que sustentavam a magnífica estrutura. O crepitar da luz por trás das paredes era uma promessa tentadora de conforto.
     Diante da entrada, ele encontrou um toco onde amarrar seu garanhão e um balde de água fresca. Então ele levou as mãos às dobras do tecido e abriu uma entrada, abaixando-se para passar. O aroma suave de sândalo inflou-lhe as narinas. Ao levantar a cabeça, surpreendeu-se ao dar com duas lindas mulheres. Duas princesas do deserto.
     O chão estava forrado de tapetes e mal se via o teto, oculto por véus e mais véus de rica seda. Chamas tremulavam nas lâmpadas, tingindo tudo de dourado.
     Assim que o peregrino tirou o capuz, a dançarina andou em sua direção, olhos nos olhos, e tomou-o pela mão, em silêncio. Tinha pele de alabastro e lábios úmidos cor de carmim. Sob o fino tecido de suas vestes podia-se entrever um corpo delicado e provocante.
     A outra donzela tocava a cítara com mãos habilidosas e cobertas de ouro. Os olhos verdes e lânguidos luziam como duas esmeraldas no rosto de traços fortes. Vastos cabelos negros caíam sobre a pele dourada, um pouco suada pelo calor do deserto.
     Ainda sem dizer palavra, a tocadora de cítara deixou de lado o instrumento e trouxe uma água perfumada e refrescante, que matou a sede do viajante, e um licor finíssimo, que lhe aguçou os sentidos. A dançarina serviu-o de tâmaras frescas e damascos suculentos.
     Sob os véus de seda ela dançou. Sob a chuva vermelha ela tocou. Sob a estrela da manhã elas o seduziram. Sob o sol de sangue elas o convidaram a deitar. E então sob...
     É claro que dona Eulália não entendeu nada quando o seu Glicério jogou o despertador na parede, revoltado.
     Melhor nem entender, aliás.

18 comentários:

Diego disse...

Muito Show Muito Show mesmo!

Final Surpreeendente!

Quero andar num deserto assim, mas de Fazer \o/

Paulo Bono disse...

seu Glicério é um dos meus ídolos.
grande abraço

Anônimo disse...

Não tem nada a ver, mas enquanto lia não parava de pensar naquele filme: Pergunte ao pó..
Muito bom!!!

Anônimo disse...

Oi! Achei você lá no café na porta! Gostei muito do seu blog...!

Abraços!

Rayana disse...

"só em sonhos, mesmo", tudo que tenho a dizer sobre teu belo texto.

te vi lá no café na porta, de lua, também. gostei do blog.
beijos

Avid disse...

A muito que nao te visitava. Ja tava com o colaxao xeio de xodads ( as passagens para este lado do oceano sao carissimas, hehehe bela desculpa) O post ta um SHOW de tamanha leveza.
Bjs meus

P.S. Engracado, meu post de hoje tambem fala do transe da danca :)

Anne disse...

Ahaaaaaaa, finalmente eu vi o moço dos acepipes escritos lá no meu cantinho...=] fiquei até feliz agora.
Seja muuuito bem vindo, eu sempre venho aqui, só não comento quando não dá tempo mesmo...
Bah, que bom receber vc no meu cantinho! Fique à vontade!!!
Bjos, Bruno

Anônimo disse...

Lindo texto...viajei!

Orange disse...

Eu jurava que as moças iam se mostrar Lamias e ele seria devorado, literalmente.
Mas acho que prefiro o seu final, é trágico de uma forma mais inocente ^^

CL disse...

Nem tudo é entendível.Rs

ótimo texto...

ex-amnésico disse...

Fantástico!
O clima misterioso de "Mil e uma Noites" foi perfeito, me envolveu completamente! "Deserto e chuva vermelhos", "sol de sangue", "estrela da manhã", as duas huris... atmosfera sensual, imagens épicas!

Nem preciso dizer que quase caí da cadeira no final, hahaha! Grande seu Glicério! Excelente Bruno, meus parabéns!



Grande abraço!

p.s. Acredita se eu disser que até agora não tive coragem de procurar o "Quando Nietzsche..." pra ler? Se bem que agora bateu uma curiosidade...
Ah, obrigado pelo elogio, Zaratustra Jr. ficou contente, hehe!

Surface disse...

Bruno, definitivamente, vc é o cara dos contos viu? Me transportei para o texto e me senti a própria tocadora de cítara! rs...
Tadinho do seu Glicério genteeeeeee

Bom fim de semana

Aline @-;-

Anônimo disse...

amei essa parte "Sob os véus de seda ela dançou. Sob a chuva vermelha ela tocou. Sob a estrela da manhã elas o seduziram. Sob o sol de sangue elas o convidaram a deitar.

Anônimo disse...

Prêmios!

www.champ-vinyl.blogspot.com

entendeu, né? ;-)

Abração

Tyler Bazz disse...

Compleeeeetamente compreensivel!!!!
Por essas que odeio despertadores...

o/

Jeniffer Santos disse...

hehhehe!


fiz uma viagem com esse txt seu...parabéns!

e o final foi otimo...adoro finais surpreendentes x)


beijos!

Camila Costa disse...

Bruno muuuuuuuuuuuuito bom!!!
Adorei!

Escreva mais,
escreva mais... :)

Bjs

Fernando disse...

Certas perguntas são passíveis de serem ignoradas... hahahaha! demais