10.12.09

Prima Doroti

Série especial de aniversário
(originalmente publicado em 26.6.2007)

Contrariado, seu Glicério, bermuda e chinelo, empurrava o carrinho pelos corredores do supermercado, arrastando os pés. Dona Eulália corria de uma prateleira a outra.
     — Será que ela prefere molho ao sugo ou bolonhesa?
     — Qualquer um. Quem vê pensa que ela faz cerimônia para comer.
     "Ela" era a prima Doroti, que vinha do interior para fazer uns exames do coração e aproveitaria para almoçar e passar a tarde com dona Eulália. Mexericando e beliscando, como diz nosso amigo. E ele que pensou que os problemas com família haviam terminado quando enterrou a sogra. Que nada.
     — E vamos levar uns sequilhos, para a gente conversar de tarde.
     Exatamente: mexericando e beliscando, pensou nosso amigo. Doroti era prima de primeiro grau de dona Eulália. Herdara em tudo os hábitos da geração anterior das matriarcas da família. O mesmo jeito de falar com o dedinho levantado na asa da xícara, o mesmo jeito de andar, lidando com todo aquele tamanho; o mesmo jeito de apertar as bochechas das crianças, que do mesmo jeito fugiam dela. Usava, por baixo das saias, as mesmas anáguas também.
     — Não me deixa esquecer o chuchu para o suflê.
     Ia ser aquela de sempre. Prima Doroti chegaria, ofegante, e jogando todo aquele peso no sofá. Abanando-se com o mesmo lenço listrado com que enxugava a testa lustrosa e queixando-se que a vida não anda fácil, menina. De lá só se levantaria para sentar-se à mesa, não antes de fazer alguma cerimônia, que ela está de dieta, mas vai aceitar só porque o suflê está lindo.
     Durante o almoço, prima Doroti contaria a mesma história da vizinha que fugiu com o padeiro e largou as três crianças, vê se pode? Talvez falasse também daquela do conserto da geladeira. E a dona Eulália ali, mão no rosto, escandalizada.
     Ainda sem se levantar depois do almoço —e deixa que o Glicério lava a louça, que ele adora ajudar em casa—, iriam tomar chá com bolachas —muitas bolachas, que, ai, estes sequilhos estão maravilhosos. E as risadas? Seu Glicério tentava nem pensar nas risadas. Na saída, a prima ainda levaria uma travessinha de bolo de laranja com coberta por um pano de prato bordado. Mas só para não fazer desfeita, menina.
     Tudo isso ainda não havia acontecido. Mas nosso herói já sofria por antecipação.
     — Você está vermelho, Glicério. Vou aproveitar a prima para medir sua pressão. Ela fez enfermagem no curso técnico quando era mocinha.
     O bom era que o mercado estava cheio de moças sorridentes com amostras grátis. Assim ele se distraía um pouco.

* * *
Claro que não podia faltar uma do seu Glicério na seleção.

Um comentário:

Magnum Opus disse...

hehehe sequilhos é ótimo, toda tia gosta... Será que Trakinas será bolacha de tia no futuro?