12.12.09

Quinze anos

Série especial de aniversário
(publicado originalmente em 11.4.2007)

Puxava uma carroça cheia de papelão, mas, no mais, era uma menina como qualquer outra. Talvez pensassem que por ser pobre ela poderia ser diferente, mas não era nem um pouco: ela queria as mesmas coisas que todas as outras meninas queriam.
     Tinha vontade de ser estrela de televisão, modelo, bailarina ou professora. Vontade de alisar o cabelo e comprar uma roupa daquelas de vitrine de loja. Queria acabar o segundo grau e ganhar um anel de presente de formatura. Poderia nem ser de ouro, mas tinha de ser dourado.
     Também, como qualquer menina, tinha vergonha dos meninos. Tinha um lá no bairro que sempre a olhava de longe. Num domingo ela o viu jogando bola com os outros garotos e achou que ele era o melhor jogador do mundo. Ficou ali, quietinha, torcendo para ele fazer um gol, um gol só para ela.
     E hoje, bem hoje, a menina fazia quinze anos. Desde o ano passado sonhava com uma festa: via-se dançando com um príncipe, imaginava as amigas segurando arranjos de flores e uma mesa cheia de bolo e refrigerante. Sorria toda vez que imaginava o pai de terno e sapato, achava a idéia engraçada.
     Já de noite, a cidade —e as latas de lixo— começou a ficar vazia: hora de voltar para casa. Ela sabia que as bancas estariam fechadas, mas passou em frente ao mercado de flores, só porque era bonito. E de longe viu alguma coisa numa lata de lixo, uma coisa branca. Surpresa!, era um buquê de margaridas. Um pouco murchas, mas, mesmo assim, eram as mais lindas flores que ela jamais ganhara. Aliás, as únicas flores que ela jamais ganhara.
     Passou pela praça e viu que a catedral já estava enfeitada para o Natal. Ficava tão linda, tão brilhante com aquelas luzes todas. Um pipoqueiro ouvia música no radinho de pilha. Era uma música bonita, como as que o avô dela ouvia quando vivo. A menina ficou ali, escutando, e, já que ia sobrar mesmo, ganhou do pipoqueiro um pacotinho: pipoca doce, com coco.
     Foi quando chegou na praça o menino do futebol, aquele que ficava olhando de longe. Ele baixou os olhos, tímido, sorriu e disse um “oi” envergonhado. Comentou do tanto de papel que tinha conseguido no mês e disse que, olha só, ele ficou sabendo que hoje era aniversário, juntou um dinheirinho e comprou um presente. Tirou do bolso um pacotinho de papel vermelho e entregou à menina. Teve a impressão de que as mãos dela tremiam.
     A menina sorriu ao ver, dentro do pacotinho, um anel dourado. Agradeceu um tanto envergonhada e já logo o colocou no dedo. Deu certinho. O anel não caberia em outra mão que não a dela. Ela sorriu e mais balbuciou que falou um “obrigada”. O menino chutou umas pedrinhas do chão e comentou algo sobre a música, que ele achara tão bonita.
     E, enquanto os sinos da catedral soavam as horas, os dois dançaram ao som do radinho sob as luzes brilhantes. Margaridas, pipoca doce, música, sinos, um anel e um príncipe, o melhor jogador de futebol do mundo. E a menina soube, lá no fundo, que Deus existia e que Ele havia lhe dado uma festa de quinze anos.

4 comentários:

Magnum Opus disse...

Bacana... Dessa eu não lembrava, acho que não tinha lido na época...

Stephanie disse...

esse eu não conhecia. Praticamente um conto de fadas urbano. de arrepiar, viu.

Elga Arantes disse...

Lindo, mesmo.

Aproveitar o melhor de cada um das pequenas coisas. Sugar o melhor que a vida tem a oferecer.

E estar grato, sempre!

Leo disse...

que bacana...