14.2.12

Aliança

Por um rumo desses que tomam as conversas de bar, a mulherada acabou falando sobre aliança, quem e quem não tira para isso ou aquilo.
     A Selma tira para lavar louça, fazer limpeza, passar creme nas mãos. As mãos da Elza incham bastante no calor, então já viu. A Rute tira para dormir e, quando vê, saiu de casa e esqueceu de colocar de volta. A Jussara tira -e joga em seguida- toda vez que briga com o Palhares. E a Ângela não tira nunca.
     Do jeito que ela contou pareceu, inclusive, uma questão de orgulho. Nunca. Colocou no dedo quando se casou com o Rubens e desde então deixou ali, onde deve ficar, sentenciou. Ué, com o tempo a gente já nem lembra que está usando, vira parte do corpo. As amigas implicaram, tentaram achar umas excessões, mas a Ângela não sem lembrou de nenhuma: não tirou nunca, para nada.
     De alianças, o assunto foi para joias, de joias a sapatos e a noite passou divertida.
     O assunto era bobo mas, quando se despediram na porta do lugar, a Ângela estava ainda com a história das alianças. Essa coisa de nunca ter pensado num assunto e de repente ele aparecer na nossa cabeça. Para ela fora sempre tão natural, por que será que as amigas se incomodavam?
     Assim que o manobrista entregou as chaves, ela entrou apressada no carro e tirou a aliança do dedo. Olhou o anel, o mesmo de dez anos atrás e o mesmo até o fim da vida. Um círculo perfeito de ouro. O lado de fora riscado pelo dia a dia, o lado de dentro intacto com o nome do Amauri. E tantas histórias.
     Amauri?
     O carro de trás buzinou e ela teve que arrancar, apressada. Amauri?
      Estacionou um pouco mais para frente e olhou de novo para o anel na palma da mão: "Amauri". Mas como...? Quem diabos é Amauri? Como isso veio parar no meu dedo?
     Chegou a pensar que estava louca. E se toda a vida eu chamei meu marido pelo nome errado? E se tivesse um amante chamado Amauri, um que fora atrevido a ponto de lhe dar uma aliança com o nome? Não, quanto absurdo. Era Ângela, mulher realizada, mãe de família feliz, casada com o Rubens. Ângela, que não tira a aliança nunca, para nada.
     Quase bateu o carro umas duas vezes.
 Entrou no apartamento e fez questão de cumprimentar pelo nome:
     — Oi, Rubens.
     E o marido respondeu da cozinha, a mesma voz de sempre, era o Rubens mesmo. Quando se beijaram, a Ângela viu que ele tinha esquecido de tirar o crachá da empresa: Rubens.
     Passou a noite se revirando na cama, agoniada atrás de alguma explicação. No dia seguinte, quando saiu para trabalhar, o Rubens estranhou quando ela gaguejou um "bom dia, Am... amor", a esposa que nunca foi desses apelidinhos.
      Até hoje a Ângela não descobriu. Todos os dias, convive com aquele mistério no dedo, ainda não criou coragem para tirar a aliança de novo. E por via das dúvidas tem ficado em silêncio na cama, na hora do vamos ver, com medo de que escape o nome proibido. Vai saber.

* * *
Estive de férias uns tempos. Férias offline é sempre bom. E, como forma de me desculpar pelos atrasos, hoje são -faz tempo que isso não acontecia, hein!- dois posts.

14 comentários:

Steh disse...

Eu tenho pra mim que, papo vai, papo vem, ela tirou a aliança para mostrar - sabe-se lá como - que nunca a tinha tirado. E numa dessas acabou trocando com uma das amigas, a esposa do Amauri.

Só fico imaginando quando é que a tal esposa do Amauri vai perceber a troca...

Ótimo como sempre, Bruno!

Ana Luísa disse...

Quem sabe a daminha de honra dela não tropeçou na daminha do casamento ao lado e as alianças cairam? Quem sabe Rubens se assuste ao abrir sua aliança e encontrar o nome de uma tal de Lúcia!
Beijos!

Unknown disse...

Que conto delicioso...

Leo disse...

Boa!
Será que ele fez de propósito, para saber se a mulher tirava a alinça do dedo de vez em quando...
Mas também tô achando que na aliança dele deve estar escrito Valdomira ou Lúcia ou outra tal qualquer.
Sacana esse Rubens.
Abraço.

Leonardo Xavier disse...

Eu acho interessante de como um simples gesto pode provocar tantas dúvidas...

Danielle disse...

E se Rubens era o dono dos pensamentos dela, já não é mais..

Danielle disse...

E se Rubens era o dono dos pensamentos dela, já não é mais..

Letícia disse...

Adorei. Quero saber o final desse mistério agora...

Magnum Opus disse...

Lembrei que quando fui levar as alianas pra polimento 2 semanas antes de casar o cara resolveu dar uma reforçadinha na escrita, o problema é que ele acrescentou mais uma letrinha U no final, então fiquei um bom tempo com "ELISEU" na minha aliança!

Larie disse...

Hahaha! Pobre mulher, vai conviver com a dúvida para o resto da vida.

Muito bom!

beijos :)

prestiti disse...

Eu amo Bruno, parabéns pelo blog.
Danilo prestiti

Anônimo disse...

Amauri?
Ta aí um problema que me faria perder o sono!!

Unknown disse...

Acabei de conhecer esse site! Estou amando! Quero o final dessa história já rs! Vou ler mais... Quem é o dono dessas histórias, frases, expressões, sentimentos, tudo junto!? Rs...

Diogo Felix disse...

Mistério inquietante.