18.12.07

Uma mesa e uma cadeira

Sentei-me no café e, quando me atendeu, a garçonete perguntou se eu esperava por alguém. Pedi um espresso duplo.
     A mim já bastava ser um fim de tarde melancólico, uma daquelas sextas-feiras que escolho para ruminar o passado. Tive de conviver também com a resposta à pergunta da moça, que ficou pairando no ar numa nuvem pesada: não, eu não esperava ninguém.
     Talvez fosse só porque bebi o café puro —tomo sempre sem açúcar, mas em dias como esse me arrependo disso—, mas, quando dei o primeiro gole, tive a impressão de que tinha nas mãos uma xícara especialmente amarga.
     E quando entraram três amigas, sentando-se na mesa à minha frente, não pensei que a atitude que eu tomaria fosse tornar o final do café ainda mais intragável. Como vi que havia duas cadeiras para as três, levantei-me e ofereci a que sobrava na minha mesa. Elas hesitaram com três "imaginas" mas acabaram aceitando com três "obrigadas".
     Logo notei que, no fundo, com aquela gentileza, eu nada mais fiz mais que admitir a verdade. A verdade para a qual me havia aberto os olhos a pergunta da garçonete, cinco minutos antes, e que, naquele instante me atingiu como um cruzado de direita no maxilar: ninguém sentaria à mesa comigo.
     Nunca um gesto meu tornou tão evidente a minha solidão.
     Terminei meu café, paguei a conta e saí para a rua, onde, andando com as mãos nos bolsos, pensei em como a vida às vezes pode ser tão simples. A minha, naquela sexta-feira, podia ser resumida numa mesa de café com uma cadeira só.

24 comentários:

Zé(d's) disse...

Bruno do Céu! O texto é ótimo. Me lembra muito um conto antigo meu (a semelhança, na verdade, é assustadora), de antes de eu ter o blog, mas que postei em agosto.

http://verbalizacoes.blogspot.com/2007/08/sozinho-para-relembrar.html

dê uma olhadinha, confira você mesmo.

Grande Abraço.

Zé(d's) disse...

se o link não rolar, procure lá nos arquivos,...

Saxiro disse...

Uma mesa... um café e a solidão...
Mas o que seria essa solidão se não a importância que se dá ao "problema" da falta de alguém ao nosso lado? Qual seria essa solidão se não se desse boa parte da responsabilidade de nos sentirmos bem, na outra pessoa? Fato esse que gera, inclusive, cobranças e responsabilidades que são nossas...

Fique bem, Mestre Elfo... E um dia saberá que a beleza da vida está, exatamente, na simplicidade dela e a responsabilidade de nos fazer-mos felizes está conosco... assim... faremos uma base forte... nossa alma brilhará muito mais e, aí sim, gozaremos de companhias sem cobranças nem responsabilidades indevidas...

A beleza de vida está na simplicidade. E a responsabilidade de sermos felizes está conosco...

Uma amima me lembrou, esses dias, de uma bela frase de Drummond... A dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional...

Aquele abração, mestre Elfo!

Anônimo disse...

tá sozinho porque quer! É só dizer venha que eu vou.


beijo gato

Anne disse...

Particularmente eu não me importo nem um pouco em me sentar sozinha seja onde for. A solidão já é algo que superei faz tempo e me sinto mto bem do meu lado. E, sinceramente, querido...dependendo da companhia, uma mesa com uma cadeira só é mais do que uma benção dos céus...rsrsrsrsrs

Bjokas e um ótimo final de ano pra ti (e excelente 2008)

Stephanie disse...

o problema não é que visa se resuma a uma mesa e uma cadeira. Mas que isso incomode quem está sentado...

eu, p. ex., me aborreço quando se supreendem: 'não está esperando alguém??'. Não, não estou. Quanto tiver que vir, virá - pronto [às vezes estar só pertuba mais quem está do fora que o sozinho!]

muito bom texto, Bruno. Simples e delicado. Parabéns!

=)

beijo

(ps. valeu pelo link!)

Jana disse...

Bruno,

gosto de café, escuro sozinho, sem leite nem açúcar e forte, assim ele demora mais a air da boca. Se eu for como gosto de café, me sentiria grata. Café assim não é pra todo mundo e quem gosta, gosta muito. Difícil de largar até quando da ulcera.

Beijo Grande, menino pequeno pra sempre.

Zé(d's) disse...

como você faz pra esconder a barra de navegação superior?????????????

por favor me avise

Tyler Bazz disse...

Engraçado é que ontem (o dia em que vc postou) aconteceu algo muito parecido comigo, mas foi num shopping.

Alguém, no lugar de oferecer a cadeira, convidaria uma das meninas pra sentar, mas não eu (nós, pelo visto).

Essssspresso
o/

Lua Durand disse...

talvez o café se chamasse solidão.

e a pessoa bebesse em grandes goles.

talvez alguém quisesse estar ali, talvez tenha se atrasado.

café, combina com solidão.

principalmente os sem açúcar.

eu gosto de companhia, aqui na minha cidade sempre bebo um capuccino de paçoca, acompanhada de alguém.

expresso é muito forte, triste e só.

beijos, au revoir.

000000 disse...

Em vez de café, você poderia ter pedido uma cachaça, e com isso justificado um belo discurso às moças: "Belas donzelas, não querem comigo se sentar? Eu, que viajei por terras nunca antes viajadas, e que conheço histórias das mais fabulosas, não querem comigo se sentar e ouvirem num sussurro as jóias que em palavras posso oferecer a vocês? Não querem comigo... Ei, quem é você? O quê? Segurança? Eu só estava falando com as damas aqui. Ei, me solta! Que polícia que nada! Me solta! Me solta! Socorro, manhê!".

É, você tem razão, não seria muito apropriado tal comportamento. Mas, em verdade, a sua crônica já guarda em si uma lição: você estava sentado, e por assim estar, mostrou que sua situação dependia de você, de sua imobilidade, de sua incapacidade de se levantar e buscar o que deseja, o que escolheu para si, o que escolheu e não busca, pois é quando escolhemos algo que não buscamos que começa o sofrimento, ou mesmo a angústia de saber o que fazer, e não fazê-lo.

E lá vou eu, mais um achando que pode lhe falar algo que você já não saiba. Sabe de uma coisa, esqueça esse parágrafo acima, o primeiro é mais interessante, e talvez mais sensato.

Diego disse...

Eu consigo ver a cena, de tão bem escrita. Como sempre, perfeita.

Eu consigo sentir a cheiro amargo do café.

Também consigo ouvir a música tocando no fundo. Sim eu sei e vc sabe qual era.

"Life is just a dream you know, That's never ending"

Foi um sonho que a gente se esforçou, não, não. Foi um sonho que a gente teimou em sonhar.

Agora eu te pergunto. Agora eu me pergunto. Por quê? Por quê diabos a gente tem que se importar com quem não se importa com a gente? Por quê diabos a gente sempre tem que dar essa de cabeça dura?

'You know the funny thing about it, I couldn't answer. No I couldn't answer'

Talvez a resposta para a sua (para a minha) solidão seja simples. Dura, mas simples.

'- É como nas grandes histórias, Sr. Frodo.

Aquelas que realmente importaram. Cheias de escuridão e perigo elas foram.

E às vezes você não queria saber o final, porque, como podia haver um final feliz?

Como o mundo podia voltar a ser o que foi, depois de tanto mal acontecer?

Mas no final, são apenas coisas passageiras, essa Sombra.

Até a Escuridão deve passar. Um novo dia nascerá.

E quando o sol brilhar, brilhará com mais claridade ainda.

Essas são as histórias que ficam em você, e que significam algo,

Mesmo que você seja muito pequeno para entender por quê.

Mas acredito, Sr. Frodo, que eu entendo sim.

Eu sei agora.

As pessoas naquelas histórias tiveram um monte de oportunidades de dar as costas.

E apenas não o fizeram.

Elas seguiram em frente, porque elas se apegaram a alguma coisa.

- E a que nós nos apegamos, Sam?

- A que existe algo de bom neste mundo, Sr. Frodo.

E que vale a pena lutar por ele.'


Things have turned a deeper shade of blue
And images that might be real
May be illusion
Keep flashing off and on
Free
Wanna be free
Gonna be free
And move among the stars
You know they really aren't so far

Paulo Bono disse...

dispenso o café, mas o texto é bom pra caralho.

abraço, Bruno

Anônimo disse...

tem dias em que a gente acha que não merece tamanha solidão.

Magnum Opus disse...

Poxa vida... coloca um açúcarzinho ai!

Sylvia disse...

Bruno ,como sempre seus textos sao otimo, quando venho leio tudo o que perdi. Parabéns pelo aninho e por compartilhar estes textos maravilhosos conosco
Também quero te desejar um otimo Natal e um ano novo cheio de surpresas boas para voce
Beijos

Sylvia disse...

Bruno ,como sempre seus textos sao otimo, quando venho leio tudo o que perdi. Parabéns pelo aninho e por compartilhar estes textos maravilhosos conosco
Também quero te desejar um otimo Natal e um ano novo cheio de surpresas boas para voce
Beijos

Anônimo disse...

não vou dizer que até senti o cheiro do café, igual ao diego (who?), mas bem escrito...

só que vc não me engana... este negócio de café, de estar sozinho é golpe seu... hehehehehe

topa mais uma rodada de submarino?

Anônimo disse...

Gostei muito desse post e seu blog é muito interessante, vou passar por aqui sempre =) Depois dá uma passada lá no meu site, que é sobre o CresceNet, espero que goste. O endereço dele é http://www.provedorcrescenet.com . Um abraço.

Anônimo disse...

Puxa Bruno, você conseguiu traduzir muito bem esse sentimento de vazio e tédio, que infelizmente as vezes resolve falar bem alto. Sei como é sentir assim, mas jamais conseguiria tamanha precisão e sutileza na forma textual. Falei um pouquinho sobre isso no “Entre blues e azuis”, mas não com tanta beleza.

É incrível como quando estamos meio reflexivos e “ruminando o passado”, muitas falas e cenas atuais nós servem de recados, cujos conceitos ficam incansavelmente martelando nossas cabeças. As vezes, quando estou dirigindo sozinha e pensando sobre solidão, parece que TODOS os outros carros estão repletos de amigos se divertindo bastante. É só o que consigo enxergar na rua.

Sabe Bruno? De repente você nem está tão solitário assim. Foram só alguns elementos que resolveram conspirar para fazer você perceber que precisa sair dessa melancolia. Ou então, foi mais um momento de solidão que você tirou justamente para fazer um balanço do ano e tal... E isso é bom, pois engrandece. O fato de se estar sempre rodeado de gente não quer dizer alegria ou felicidade. Companhia é um bom exemplo de que a importância da qualidade supera a da quantidade. E juro que não é essa imagem que você passa, pelo menos não para mim. Ainda que eu possa lhe enxergar solitário, não lhe enxergo melancólico. E se eu estivesse em Curitiba, sentaria para tomar esse café com você.

*P.s.: Difícil lhe falar qualquer coisa depois dos conselhos que você me deu. Passei um tempão pensando no que lhe dizer. Você traz mensagens ótimas e tudo que falei acima soa para mim como se você já soubesse. Mas enfim, mesmo não sendo tão boa com as palavras na hora certa como você, qualquer coisa pode contar comigo.

Um abraço e fique bem

Unknown disse...

Ixe Bruno, café sem açucar?! Deiza a vó Ester ficar sabendo disso hein...aliás, ela deve ter visto isso de onde ela está...e deve ter falado "eita bicho besta!".

Que graça teria se tudo fosse fácil? Que graça teria se você não tivesse essas belas histórias para postar e para contar?

Quando alguém tiver que sentar ao seu lado, tenho certeza que será para ficar ali pra sempre...curtindo um bom papo, uma boa história e uma bela presença, e se não for assim é melhor continuar sozinho, porque antes só do que mal acompanhado!

Abraço do seu irmão!

-any valette disse...

Eu não sei muito bem fazer comentários.
só queria dizer que.. taquiopariu, eu tinha esquecido como existem blogs legais por aí...
sempre tão enfiada em postar besteiras no meu...
Você escreve bem :)
olha, eu já me vou, ok?Parabéns pelo ano do acepipes :)
e feliz ano novo.

Murdock disse...

Gostei do texto. Não sei se é a sua realidade mas já foi (e é) a minha, várias vezes. Mas um dia posso contar de uma vez em que não esperava ninguém mas o garçon colocou uma cadeira a mais na minha mesa.

ex-amnésico disse...

Bela descrição de um estado d'alma: como solitário crônico e convicto, eu não seria capaz.

Dizer que o texto é ótimo é chover no molhado, mas eu digo mesmo assim!