baseado num dos cartões do sempre
surpreendente Post Secrets
Acontece bastante, já deve ter se passado com quase todo mundo: num
mercado, numa loja, num restaurante, alguém nos chama a atenção, sabe-se
lá o porquê. E aí acompanhamos, de canto de olho e só por uns minutos
ou até uns segundos, aquele amigo. Uma coisa silenciosa, meio
clandestina. Adivinhamos um pouco da história, inventamos outro tanto, desejamos
boa noite, bom descanso, que chegue bem em casa. Um tipo de afeto, uma
certa curiosidade, alguma simpatia...
Que foi bem o que aconteceu
com uma moça enquanto empurrava o carrinho pelo supermercado. Já
comprara um litro de leite, umas frutas e a comida do gato e agora
andava pelos corredores, tentando resolver a sensação de que faltava
alguma coisa.
Entre as montanhas de panetones, ela cruzou com uma
mulher de meia idade, gestos vivos e olhos cansados, cabelos precisando
de um retoque. Uma mulher dessas que, de bater os olhos, sabe-se que é
mãe, não só dos filhos que têm -ou talvez nem tenha-, mas de muita
gente. Empurrava um carrinho cheio de brinquedos em direção dos caixas.
Filhos? Netos? Crianças carentes, órfãos, vizinhos pobres...?
A
moça largou da sensação de faltar algo -quase nunca falta- e decidiu
também ir ao caixa. Ficou ali, escondendo um sorriso e fingindo que
olhava um panfleto, enquanto via passar uns carrinhos, uma boneca, um
urso de pelúcia, uma locomotiva, uns jogos de montar, um disquinho de
músicas natalinas.
Depois da senha, o garoto do caixa falou
indiferente que o cartão não foi autorizado. A senhora pareceu olhar
para cima e pediu que tentasse no crédito. Foram uns segundos
angustiantes até o segundo não.
A senhora agradeceu e saiu da loja de mão vazias.
Mas
então a moça foi rápida; na mesma hora soube o que fazer. Sempre
sabemos, só precisa a coragem. Pediu ao caixa que passasse todos os
brinquedos deixados e pagou por tudo. Correu empurrando o carrinho cheio
de brinquedos até o carro onde a senhora, de olhos vermelhos, já dava a
partida e bateu no vidro.
O motor engasgou e morreu.
Uma
do lado de dentro, outra do lado de fora, começaram a chorar. A moça se
descobriu também uma mãe, não só dos filhos que ainda não tinha mas de
muitos outros. A mulher de meia idade abriu a porta e deu um abraço
atrapalhado, demorado. Ajudaram-se a colocar tudo com cuidado no banco
de trás.
Quando conseguiu falar, a senhora agradeceu, abençoou,
agradeceu, chorou, agradeceu e pediu um telefone, fazia questão de pagar
assim que pudesse. E a moça, pela segunda vez, soube o que fazer: puxou
um bloquinho e uma canetinha da bolsa e escreveu um número falso.
Pediu
à senhora se podia dar-lhe mais um abraço e foi embora. Só quando
chegou em casa notou que esquecera seu leite, suas frutas e a comida do
gato.
E era Natal.
7 comentários:
Realmente, o PostSecret sempre surpreende. Os seus textos também - e foi esse postal que mais chamou minha atenção (:
Nossa, eu amei esse texto! Amei demais. Que pessoa faz o que ela fez, nos dias de hoje? Mesmo sendo Natal, acho muito improvável existir alguém com tamanha bondade.
A pergunta é, e se não fosse?
Abraço!
Com Natal ou sem Natal! Olhar o outro e se reconhecer só tem a ver com a sensibilidade do humano que somos! Muito bonito o texto.
Visitei seu blog por causa do post "Namore um cara que lê" e, bem, me apaixonei pelo seu texto.
Já está na lista dos links recomendados do meu blog. A propósito, segue o link do meu para caso queira retribuir a visita: www.sobretudoideias.blosgspot.com
Voltarei aqui sempre que possível!
Bjs
Seus textos são daqueles que você se sente junto a história. Sabe, como se fossemos parte delas mesmo que só como mosquinhas acompanhando tudo e todos. Adorei! São ótimos!
Gostei bastante! Você escreve de uma maneira simples e grandiosa.
Escreve muito bem, mesmo.
Encontrei seu blog através de uma postagem de um texto seu no face. "Namore um cara que lê" desde então, sempre que posso, leio suas postagens, que, diga-se de passagem, são repletas de humanidade, de simploriedade, de sentimentos reais expressos em palavras.
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