(os livros e eu, cap. iv)
Dez negrinhos vão jantar enquanto não chove;
Um deles se engasgou e então ficaram nove.
-Agatha Christie
Eu devia ter, sei lá, uns
dez anos e, depois do almoço, peguei um livro antigo do meu pai,
daqueles amarelados e com as páginas meio caindo. Vou admitir que tinha um certo
preconceito com aqueles livros porque eram amarelados e tinham páginas
caindo, mas estava cansado dos meus de sempre –Gulliver, Sinbad, Mogli– e
resolvi arriscar. A capa era feia. Chamava-se O caso dos dez negrinhos. Comecei a ler, como quem não quer nada.
Eletrizante, essa é a palavra: eletrizante.
Uma mansão numa ilha. Dez pessoas estranhas. Assassinato. Sobram, então, nove pessoas. Depois, oito e sete e seis.
Era
época de aula de manhã e nada para fazer à tarde –a lição de casa eu
copiava, rapidinho antes de entrar na sala, de uma menina apaixonada por
mim, que com dez anos eu era meio cafajeste, depois tomei jeito–, então
pude me dar a um luxo que hoje em dia é raro: li tudo de uma sentada
só. O dia já estava escurecendo quando fui chegando ao final do
mistério, fervendo a cabeça com um monte de soluções e vislumbrando uma
promissora carreira de detetive particular.
Cinco pessoas. Quatro. Três.
Mas eis que. Eis que.
Quando
virei uma página, dei com um trecho que, ué, pareceu meio familiar.
Virei mais a próxima e mais outra: já tinha lido. Então notei que o
livro tinha um defeito: trocaram na gráfica os últimos cadernos de
impressão. Então, ao invés das últimas páginas, eu tinha umas repetidas
da metade. Necas de final.
Como o bendito devia ter sido
comprado há uns vinte anos, era tarde demais para ir à livraria e pedir
para trocar. Quando meu pai chegou em casa, corri para perguntar e ele
me respondeu só uma risada divertida. Também não sabia o final.
Até hoje não sei quem é o assassino. Ficou esse trauma na minha vida de leitor.
E enquanto eu escrevia isso me veio à cabeça a ideia de guardar o livro para pregar a mesma peça no meu filho.
* * *
Este já foi publicado aqui faz um tempo, mas é que entra certinho nesta série...
7 comentários:
A resolução do mistério é surpreendente. Vale a pena baixar na internet e ler independente da pegadinha que você aplicará no seu filho..
Quando cheguei na parte do seu post que fala que o final era um pedaço da metade, pensei: - Já li isso no blog de outra pessoa, gente, será que todos os livros são assim???
Aí quando você colocou que esse post já foi publicado.. só posso ter lido isso aqui mesmo, hahaha.
haha puta sacanagem! Mas o Google deve saber o final da história...
Eu acompanho seu blog escondidinha desde 2007. Às vezes eu sumo, mas sempre volto pra ler suas coisas e adoro!!!
SUPER PARABÉNS!
Desejo sucesso e que ele sempre venha naturalmente.
eu li esse livro faz alguns anos. nem lembro o nome do assassino, maslembro que é o quarto ou quinto 'morto'. uhsauhsuha já sabe o final? desculpe o spoiler. haha
Cooooooooomo assim nã terminou?
Deve procurar o livro e ler o final.
é muito bom, sério!
HAHAHAHAHAHAHA! Adorei essa história!
Pelo meu lado, amo livros mofados, caindo aos pedaços e cheirando a... bem, livro velho. Sei lá, cada com sua mania...
... e quanto ao mistério... eu sei (li aos sete anos e não descobri o autor até o final)...
... deixo pro teu moleque descobrir!
;)
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