7.12.11

Nadar para longe

(os livros e eu, cap. iii)

Foi uma época gostosa. Íamos caminhando até a casa de um tio avô da minha mãe, um iuguslavo comunista que tinha no quintal de casa uma escolinha de natação –cujo método de ensino consistia basicamente em me agarrar pelo cabelo enquanto eu nadava: se eu parasse, afundava e doía– e passávamos as manhãs das férias entre braçadas e sanduíches.
     Um dia o tio me chamou para a secretaria improvisada –lembro do cheiro de cloro– e perguntou se eu queria uns livros. Imagino que minha resposta tenha sido um sorriso do tipo "quem é que pergunta a um macaco se ele quer bananas?".
     Foi complicado, mas carreguei tudo para casa. Talvez tenha sido a primeira vez que senti o peso –nem sempre no sentido figurado– do conhecimento. É bem sacrificada a vida de leitor nadador aos seis anos.
     Eram cinco volumes grandes e verdes de capa dura, coisa antiga. Por dentro, as histórias e umas ilustrações em traços vermelhos. Posso estar bem enganado, mas ninguém saberá me desmentir: o primeiro tinha as histórias dos Irmão Grimm e o segundo, vários contos de fada; depois vinham as viagens completas do Sinbad, as do Gulliver e as do Marco Polo.
     Viagens.
     Foi, acho, a primeira vez em que meu mundo cresceu além das oito horas de carro até Minas que eram meu recorde de lonjura. O mundo lá fora era grande para caramba. E o mundo aqui dentro podia ser maior ainda.
    O problema dos clichês é que às vezes eles são verdade, e aí já é difícil levá-los a sério. Pois, de todos os clichês sobre livros, aquele de viajar sem sair do lugar foi, por um bom tempo, o que mais fez sentido para mim: vivi um bom tempo em terras distantes. Aparecia em casa sempre que minha mãe chamava para o café, mas logo voltava para algum deserto, alguma ilha, alguma cidade perdida.
    Quem me olhava, menino magrelo e tímido, nem imaginava minhas andanças. Há que ser muito macho para chegar lá tão longe. Ainda bem que o tio estava me ensinando a nadar.
     Anos depois acabamos doando a coleção a outras crianças, de modo que me agrada pensar que talvez eu tenha alguns outros companheiros de viagem por aí. Não me assustaria um dia receber uns postais.  

* * *
Peço mil perdões (de novo) pelo (enorme) atraso. Semana passada, as coisas mudaram muito de rumo aqui, assim meio de surpresa. Mas -já que falamos de viagens- não sou de ficar me ressentindo dos ventos, é só o tempo de ajustar as velas e tocar o barco de novo. A vida é uma beleza.

4 comentários:

Magnum Opus disse...

Bacana a sua iniciação ao mundo dos livros... o mais legal é ver como as coisas vão simplesmente acontecendo, meio que ao acaso...

Natalia Máximo disse...

Gosto demais dos seus textos, Bruno. Eles sempre trazem uma leveza ao meu dia, não importa o quão ruim ele esteja, e também me fazem nadar para bem longe (:

Eriton Lacerda disse...

Faço minhas as palavras da Natalia. Seus textos evocam o que á de melhor em mim. Fazem lembrar daquele sentimento - as vezes esquecido - de que a vida apesar de todas as dificuldades vale muito a pena; Fazem lembrar que são os detalhes que a tornam tão bela.

Eriton Lacerda disse...

Esse comentário - meu primeiro - serve pra fazer jus a um outro post: "Ei, você!".
Sou destes que sempre passa por aqui, senta no sofá e acarinha o cachorro...